Uma conversa sobre Desus

A natureza humana é um tanto quanto paradoxal. Somos natureza e não somos. O ser humano é natureza enquanto apresenta disposições naturais, como o desejo e o medo, embora os conteúdos do desejo e do medo não sejam os mesmos entre um e outro indivíduo, e, ao mesmo tempo, o ser humano se rompe da natureza, na medida que se distancia dela pela sua dimensão criadora. Conforme Castor Ruiz: “O nascimento da pessoa se realiza a partir de uma ruptura com o mundo natural. Essa ruptura cria inevitavelmente uma fratura entre ela e o mundo. O ser humano foi expulso do paraíso natural. É desse modo que ele se distanciou do mundo ao qual anteriormente seu ser estava integrado de modo pleno. Essa distância relacional do mundo propiciou uma separação relativa entre a pessoa e a realidade que nunca mais poderá ser suturada de modo absoluto. Com esse distanciamento se consolidou uma ruptura entre o sujeito e o objeto. De agora em diante, o mundo sempre será vivenciado como algo contraditório: estando próximo, sempre aparece distante; embora somos um fragmento dele, o percebemos como o outro.” Entre outras coisas, Castor nos faz pensar sobre a possibilidade de uma solidão do homem, de um desamparado em que se encontra no universo infinito, que por ser infinito passa a ser também incerto, sem verdades absolutamente válidas. Em outras palavras, estamos falando que o animal é muito mais filho de sua mãe, a natureza, do que o ser humano que não é mais tão natural mas sim cultural. Poderíamos pensar que a religião preenche em certa medida a solidão do homem e funciona como uma espécie de consolo, quando Deus é colocado como a razão de todas as coisas. Não estamos sós se estamos com Deus. Todavia, admitir Deus não significa saber explicá-lo racionalmente ou prová-lo, pois cairemos certamente em contradição. Deus não deve ser resumido a uma mera explicação lógica como muitos tentam fazê-lo, uns ingenuamente outros presunçosamente. Exemplo: Afirmar que Deus existe porque a prova está aí e é a existência do universo, pode não ser uma afirmação 100% segura. E se o universo for infinito para frente e para trás? Poderá ter sempre existido e o que sempre existiu nunca foi criado, portanto, nestas condições não necessitaria de um criador. Segundo a ciência, que também não é detentora da verdade absoluta, antes do big-bang pode ter existido infinitos big-bang, com sucessivos big-cruch. Outra afirmação não tão garantida é afirmar que a Bíblia prova a existência de Deus. Como a Bíblia foi escrita por homens e não por Deus qual garantia de plena certeza. Como diz Kierkegaard: “Ser Cristão é sê-lo no espírito, é a inquietude mais elevada do espírito (…)”. Ou seja, a verdadeira fé é cheia de inquietações e de dúvidas o que também parece ser paradoxal. Não precisamos justificar Deus pela razão pois Deus é uma questão de fé, é pura intuição. Deus não se prova se sente. Tomemos cuidados com certos discursos ditos religiosos que promovem resignação, conformismo, alienação e até comércio. Transferem tudo que acontece com os homens, para a responsabilidade de Deus, como se fôssemos marionetes de um Deus manipulador. Como poderia um Deus que é Pai de todos querer o bem de uns e o sofrimento de outros? Numa relação de amor não há meio termo, ou amo ou não amo, não tem como amar mais ou amar menos. Independentemente da religião e da crença, temos uma vida de prazeres e muitas dores, cuja superação ou suportamento muito mais depende de nós do que da vontade Deus.

Marcos Kayser