Conspiração contra o Caridade

“Hospital continua atendendo normalmente”. Este é o título de uma reportagem, sem referência da autoria, veiculada no Jornal Panorama, do último dia 16, que causou surpresa na comunidade. Uma questão que suscitou dúvida é sobre quem realmente estaria sendo atendido normalmente. Os fornecedores certamente não. Seriam todos os pacientes, independente do grau de complexidade da enfermidade? A reportagem leva-nos a deduzir que se o Hospital continua atendendo normalmente é porque não deixou de fazê-lo. Alívio para aqueles que vinham acompanhando as sucessivas denúncias de negligência, trazidas por funcionários, médicos, pacientes e vereadores. Normalidade é o que se mais desejava e o que menos se supunha existir. Haveria então uma outra realidade por trás das denúncias? Mas o que estaria motivando médicos conceituados a inventarem um Caridade deteriorado?  E os funcionários, entre os quais aqueles com história na casa, denunciando maus tratos e salários atrasados? E aqueles pacientes que reclamaram falta de médicos especializados, medicamentos e até telefone? Convenhamos, não é fácil de acreditar que as acusações de onde vieram não tinham probidade. Contudo, é melhor mesmo considerar que o Hospital esteja funcionando na mais pura normalidade, como diz o filósofo: “uma realidade trágica é bem mais dolorosa que uma ilusão feliz”. Vamos imaginar que tudo não passou de intrigas da oposição que engenhou uma espécie de conspiração contra o Caridade. Esperamos agora que o Hospital seja ressarcido pelas difamações. Que o Judiciário julgue os culpados com a costumeira brevidade e os mesmos que não venham com recursos como é de praxe, atrasando a saúde da comunidade. Que incorra sobre os autores da conspiração não a cadeia, mas uma bela multa financeira, suficiente para o Hospital quitar todas as dívidas e continuar atendendo normalmente, a cada dia melhor, contando com a atuação sempre pontual e prestativa dos poderes executivo, legislativo e judiciário. E que Taquara volte a dormir tranqüila, porque tem um Hospital de verdade.

Cidade sem praça, corpo sem alma

Na enquete veiculada no Paranhana Online que perguntava pela satisfação com a administração pública em Taquara, me manifestei nos comentários, ressaltando o aspecto da aparência da cidade, que segundo o meu olhar particular está feia, suja e mal cuidada. Argumentei que, infelizmente, por uma questão de honestidade e amor pela cidade, não dá para se sentir satisfeito com Taquara e, por consequência, com o Executivo da cidade.  O mato toma conta das ruas e das calçadas e a Prefeitura tem grande parcela de responsabilidade, pois além de manter limpo os espaços que competem a ela, deveria cobrar dos munícipes que mantivessem limpas as calçadas em frente a suas propriedades, inclusive em frente aos terrenos sem calçadas. Todos sabemos que grande parte da população cumprirá com suas responsabilidades, na medida em que perceba que a Prefeitura está fazendo a sua parte. Também só fará se o vizinho fizer e para isso a Prefeitura, como zeladora do ordenamento municipal, precisa ser mais incisiva para cobrar de todos. E quando falamos de Prefeitura não nos restringimos exclusivamente ao prefeito, mas também a sua equipe, a quem compete pensar as alternativas para superar os obstáculos e desenvolver uma gestão eficaz em todos os aspectos. Outro exemplo de insatisfação é o estado das praças em Taquara, especialmente as duas do centro, no coração da cidade, incluindo o Parque do Trabalhador. Para não ir muito longe, comparemos com as praças e parques das cidades da Serra (Bento, Caxias, Nova Petrópolis, Gramado) e também com praças de cidades vizinhas (Igrejinha, Rolante, Parobé). A diferença é muitíssimo grandiosa. A falta de dinheiro, tão alegada e provável, mas pouco demonstrada, não pode ser impecílio único para que a Prefeitura eleja algumas prioridades, mesmo porque quem assume uma Prefeitura, teoricamente deveria ter ciência antecipada sobre o panorama econômico e financeiro que terá pela frente. Não haveria alternativas? É impossível reunir arquitetos que tenham afinidades com a cidade para que façam projetos que possam ser votados pela comunidade, junto com o orçamento para a reforma? Pôxa, não dá pra conceber que a cidade não tenha uma praça central, cartão de visita da cidade que, no caso de Taquara, poderia formar um conjunto harmonioso com os prédios históricos que a cercam. Uma praça acolhedora, bem arborizada, com espaços para leitura, jogos, namoro e conversa fiada. E este assunto de praça já é muitíssimo antigo. É bom lembrar que dentre os últimos prefeitos nenhum fez algo pela praça que mereça aplauso prolongado, contrariamente, merecem vaias, pois só a desconfiguraram. Fazendo uma analogia com o corpo humano, “cidade sem praça é como um corpo sem alma”.

Ensino Médio: um conflito existencial (Parte II)

Além do problema da falta de foco e da superficialidade de conteúdos do Ensino Médio brasileiro temos o problema da forma como as aulas são dadas aos nossos adolescentes. O ensino tradicional transmite uma determinada noção e passa para o capítulo seguinte que trata de outra noção. Só que apenas alguns poucos iluminados entenderam de fato a primeira noção. Para que todos entendam, é preciso a experiência. Pesar, medir, comparar, para então constatar e refletir. Isso se dá na Física, na Biologia, na Química, e também na Filosofia e nas ditas ciências humanas. A prática deve estar sempre ao lado da teoria e vice-versa. Na ciência, não há teoria sem prática. O ensino prático é aquele que usa amplamente as vicissitudes do mundo real para consolidar o aprendizado das teorias mais centrais da produção intelectual. Uma escola deve proporcionar amplas oportunidades para uso tanto das mãos como da cabeça.

Na Europa encontramos escolas diferentes para cada perfil. Nos casos mais radicais, dentre os quais Alemanha, Áustria e Suíça, a partir da 10ª série, dois terços da faixa etária vai para o sistema de aprendizagem profissionalizante. Os alunos têm aulas teóricas na escola com profissionais da área e fazem a prática nas empresas.

Os EUA adotam o modelo denominado comprehensive high schools. Todos os alunos vão para a mesma escola e, uma vez lá dentro, são separados em programas diferentes, de acordo com aptidões e preferências. Na Europa, a triagem se faz antes de entrar na escola e de acordo com o perfil de cada aluno, haverá uma escola mais apropriada, dentre elas algumas semelhantes à comprehensive, com múltiplas opções internas. Ou seja, na Europa cada escola tem sua especialização, nos EUA a escola tem múltiplas especializações.

O Brasil é único em educação. Não há opção de modelos entre escolas nem opção dentro da escola. Na teoria, todos freqüentam a mesma escola e, dentro delas, não há diferenciação. As disciplinas cursadas são as mesmas. Pela regra, não pode haver classes adiantadas nem atrasadas. Quase não há disciplinas opcionais. Todos estudam sob o mesmo currículo oficial. Ao final, todos recebem um diploma obrigatoriamente aceito em qualquer curso superior. Na teoria, é o sistema mais democrático de todos e mais defasado também.

A proposta velada da maioria das escolas privadas, especialmente nas grandes capitais, é a preparação para o vestibular da universidade federal mais próxima. Os pais esperam que o currículo abarque todo o conteúdo que cai no vestibular, sem imaginar que o inchaço curricular impede a profundidade no que é ensinado. Como resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüência. Não há tempo para aplicar o que foi aprendido, portanto, não chega mesmo a ser aprendido. O preço de ensinar demais é os alunos aprenderem de menos. E os pais? Bem, estes parecem ainda viverem a ilusão de que um diploma no curso superior é garantia de uma vida profissional de sucesso. Mal sabem eles a defasagem existente entre as Academias e o mercado profissional. É preciso coragem às escolas para ensinar o que a maioria dos alunos, realisticamente, pode aprender e não o que os pais e os educadores gostariam que aprendessem. Sem tal clareza, não é possível cobrar resultados.

O Ensino Técnico pode se apresentar como uma alternativa complementar para o dilema entre o vestibular e o mercado de trabalho. Comparado com qualquer país industrializado, seu porte no Brasil é ínfimo, estando bem abaixo de 10% da matrícula no nível Médio. Na maior parte dos países da Europa, pelo menos 30% dos alunos dessa faixa etária estão em escolas técnicas.

Toda esta introdução é apenas para expressar o sentimento de que mudanças na educação formal de nosso país se fazem necessárias. Esperamos que não tenha passado da hora, mas as escolas precisam resolver seu conflito existencial Definir o foco, rever o conteúdo e a forma de ensinar sem a pretensão de agradar a todos, já que é impossível criar uma escola que atenda a totalidade. Encarar explicitamente suas deficiências, formação de professores, sistemas de avaliação do aluno e do professor, interação com pais e sociedade, enfim, demonstrar que de fato está comprometida com o futuro da geração que está aí e das gerações que estão por vir. Pelos nossos filhos, pelo nosso País.

Ensino Médio: um conflito existencial (Parte I)

Já vem de alguns muitos e muitos anos o entendimento que a educação é uma prioridade que deve ser atacada no Brasil. Ao mesmo tempo que a educação é a solução para o desenvolvimento sustentável do país, ela se constitui, ao menos por enquanto, num grande problema. Vencido o desafio da inserção de crianças e adolescentes nas classes escolares, visto que nos últimos anos houveram avanços nesta direção, o problema agora é a qualidade do ensino, cuja premissa é a definição do foco e dos objetivos, em especial do Ensino Médio. Este tem uma diversidade crescente de alunos e não sabe o que fazer com eles. Tem demasiados papéis sem cumpri-los jamais. E como se não bastasse, trabalha com jovens na idade da turbulência, das revoluções existenciais e hormonais. Relação que se torna difícil, na medida em que a família mantém um distanciamento da escola, sem uma participação mais ativa no convívio escolar.

O Ensino Médio recebe alunos muitas vezes já com déficit de conhecimento, desabituados com a leitura e, por consequência, com inúmeras dificuldades para interpretar (con)textos e elaborar textos com início, meio e fim. Fora isso, a escola se vê obrigada a trabalhar os valores que a família não conseguiu introjetar. Os pais só esperam que seus filhos tenham uma boa base para o vestibular ou, em menor escala, que a escola prepare para o mercado de trabalho. As escolas brasileiras não reconhecem explicitamente suas limitações e acabam não satisfazendo nenhuma das expectativas. Basta apurarmos o número de alunos que passam no vestibular da Universidade Federal sem precisarem fazer um cursinho pré-vestibular. Ou quantos alunos ingressam diretamente no mercado de trabalho sem passar pelos cursos que se dizem profissionalizantes.

Preparar para o mercado de trabalho requer entrar em um outro mundo, o mundo da prática. A preparação requer proximidade com business. O conhecimento volta-se para a aplicação concreta. O objetivo é ensinar a fazer, desenvolvendo competências e habilidades, conforme demandas do mercado. Já preparar para o vestibular é acumular conhecimento com a meta exclusiva de vencer as questões dos exames de ingresso no curso superior. O dilema é que na preparação para o vestibular o aluno é bombardeado de tal forma que não há tempo para aprender nada com a profundidade necessária.

O Ensino Médio voltado para o mundo do vestibular se distancia do Ensino para o mercado de trabalho, tanto em conteúdo como em metodologia. Somam-se as diferenças de aptidão de cada aluno nos interrogamos: a escola pode dar conta destas duas pretensões ambiciosas? E não ignoremos ainda outros problemas estruturais vividos pelas escolas brasileiras como o econômico, a questão da formação do professor e da formação humana do aluno. Sim porque por trás de aprender química, física e biologia, está aprender a ser. Aprendizado que envolve a formação humana. Sentir e pensar respeitando a dimensão do outro, da alteridade. Pensar como exercício da razão, não para ter certeza absoluta do certo e do errado, mas para enxergar e compreender as tantas ambigüidades do ser. Por este viés, antecede a preocupação de dar respostas a arte de fazer perguntas.