Arquivo mensais:junho 2007
A escola e a escolha – Parte III
Há na escola uma infinidade de formatos e procedimentos cristalizados pelo costume, porque foi sempre assim que foi feito. As salas servem para separar as crianças em grupos, segregando-as umas das outras. Por que é assim? Tem de ser assim? Haverá uma outra forma de organizar o espaço, que permita interação e cooperação entre crianças de idades diferentes, tal como acontece na vida? A escola não deveria imitar a vida? Quanto ao programa curricular, quem determinou que os conteúdos que o compõe são os saberes que devem ser aprendidos na ordem prescrita? Que usos fazem as crianças desses saberes no dia a dia? As crianças escolheriam esses saberes? Os programas servem igualmente para crianças que vivem no Rio Grande do Sul e no Rio Grande do Norte? Por que é necessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora, no mesmo ritmo? As crianças são todas iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crianças sejam todas iguais? Como querer que as crianças pensem se não vivemos no ambiente da reflexão, nem exercitamos, muito menos excitamos o pensar? Operários que trabalham em linhas de montagem não assinam as suas obras, porque não são deles. A partir da revolução industrial, a obra produzida é destituída de uma autoria humana. Cada operário tem uma função específica. Nenhum operário faz o objeto, individualmente. Cada operário faz uma única operação: juntar, soldar, aparafusar, cortar ou testar. No ramo do calçado é cortar, montar, colar, costurar, refilar ou revisar. O resultado da linha de montagem é a produção rápida e controlada de objetos iguais. A obra acabada, ou seja, o produto final não possui autoria humana e o ser humano perde sua função, ou melhor, qualidade de criador. Nossas escolas foram construídas segundo o modelo da revolução industrial, Como se fossem fábricas organizadas para a produção de peças que possuem uma finalidade única e limitada. O produto final está concluído depois que passar nos testes que, no caso das escolas, medem tão somente o nível de memorização do aluno, cujo conteúdo é facilmente esquecido passada alguns dias ou horas. Esquecemos que não mais vivemos na era da revolução industrial. Hoje vivemos em plena era do conhecimento. Somos inundados com informações e mais informações captadas das mais variadas fontes: televisão, rádio, jornal, revista, Internet e todo tipo de mídia. Algumas são só informação outras representam conhecimento. Um dos papéis da escola é proporcionar ao estudante que aprenda fazer as devidas distinções e a conseqüente escolha.
A escola e a escolha – Parte II
Hoje a grande maioria das escolas, na prática do dia a dia, ou seja, na sala de aula, onde se encontram professor, aluno, conteúdo e método, não consegue dar o salto necessário da transmissão e reprodução para a motivação e criação. Por mais que o discurso e a proposta pedagógica tentam dizer o contrário, dando ênfase à produção do conhecimento, o ensino está concentrado na transmissão de informações. Resultado: o aluno que só acumula acaba atrofiando o potencial de reflexão e criação que diferenciam a sua condição humana. Uns dirão: mas em tudo que se faz se pensa. Enganam-se! Rotinas automáticas, como a decoreba no habitat da escola, não exercitam o pensamento reflexivo que está muitíssimo distante de um ato de lembrar ou fazer uma simplória conexão lógica. Pensar reflexivamente é, em outras palavras, pensar sobre o próprio pensamento, ou seja, pensar sobre o sentido do que se está pensando. Por mais difícil e doloroso que seja, porque demanda perdas, é preciso urgentemente que se faça a escolha: ou a escola prossegue despejando informações e cumprindo com o currículo vigente, que a cada dia se avoluma, ou refaz seus propósitos, orientando o currículo e os professores para de fato potencializarem competências, dentre elas a criticidade, a criatividade e a comunicação. É uma escolha que envolve conteúdo e forma, formação do professor, disposição do aluno e avaliação. É uma escolha que privilegia profundidade e qualidade do conhecimento em detrimento da quantidade de informações acumuladas num dado momento. Hoje a escola, da forma como opera, só consegue avaliar quantidade acumulada de informação, e mais preocupante ainda, boa parte delas inúteis. Um boa dica para se medir a excelência do aprendizado é fazer a seguinte pergunta: o que se está ensinando jamais deve ser esquecido? Se a resposta for positiva o ensinamento está validade, é útil não no sentido de utilitário efêmero, mas de utilidade perene para a vida. O conhecimento evolui assim para sabedoria. Apesar de muito se falar sobre construtivismo, sobre desenvolver as competências, respeitar as “múltiplas inteligências”, não se consegue transcender, não se chega a uma prática de ensino que provoque o aluno, tornando-o mais crítico e criativo. Como é possível ser criativo e crítico se grande parte da avaliação continua medindo apenas memorização? As respostas solicitadas continuam sendo literalmente encontradas no corpo do texto que se decorou, após tê-lo copiado do quadro ou de algum outro lugar. Claro que a escolha depende de pressupostos indispensáveis que atualmente são precários e faltam aos borbotões. Um deles, fundamental, é a falta de formação do professor, cuja causa reside também na falta de melhores perspectivas de remuneração. Dá para conceber que enquanto se prioriza a qualidade o professor não consegue ler um livro se quer por mês. Em termos de país não lê nem um livro por ano. E quando falamos de livro, não podemos deixar de lado os clássicos. Pergunte a um professor conhecido com que freqüência ele lê Dostoyewski, Kafka, Proust, Tolstoy, e por aí afora, incluindo também os clássicos nacionais?