A escola e a escolha – Parte IV

A nova escola que se vislumbra no horizonte de uma humanidade melhor resolvida precisaria até trocar de nome para não ser confundida com a velha escola vigente nos dias atuais. Um novo conceito precisaria surgir para substituir o conceito atual de escola. Mas deixemos esta tarefa aos filósofos, criadores de conceitos, e retomemos algumas hipóteses em que se daria está nova escola como uma nova proposta de educar. Recomecemos pela mudança radical de objetivo, do acúmulo de conhecimento, ou melhor, informação, para o estabelecimento de condições que estimulem o potencial criativo, o senso crítico e a desenvoltura da comunicação. Para isso, poderíamos responsabilizar quatro agentes fundamentais: o gestor, o professor, os pais e o aluno. O gestor precisaria decidir de uma vez por todas o objetivo principal a perseguir. A partir daí, definir os meios que levam a este objetivo. As políticas de avaliação da escola, do professor e do aluno. O currículo, a metodologia, as regras que orientarão a mediação dos conflitos que sempre existirão. Quem sabe, para começar, uma espécie de “Direitos e Deveres do aluno”, regras construídas por pais, professores, direção e os próprios alunos. Isso já seria um tremendo exercício de comunhão e reflexão ética.  O professor precisaria de mais motivação para evoluir em conhecimentos e em práticas que realmente possibilitem ensinar de forma verdadeiramente transdisciplinar. Quem sabe escolhendo certos conteúdos para serem enfatizados e outros para serem pesquisados pelo aluno quando este precisar. Sim porque há conteúdos que basta ler com certo grau de atenção e dedicação para serem apreendidos, não requerendo maiores explicações. É bom frisar que por motivação se entende não só os estímulos que vêm de fora, mas também a força de vontade interna. Os pais precisam primeiramente compreender que a educação começa e termina na família e precisam acompanhar o que a escola faz para que seus filhos tenham na escola um prolongamento da educação que recebem em casa.  Ao aluno compete gostar do que faz e para isso precisa ser conquistado pela escola e continuar sendo acompanhado pelos pais. Muitos adoram a escola, mas muito mais pelas relações com os colegas do que pelo processo de ensino aprendizagem. Antes do programa curricular vem as necessidades e os desejos da criança que se alegra e se entristece, se encanta e se espanta, se machuca e se cura, corre, joga, grita, briga e brinca. A inteligência é essencialmente prática. Está a serviço da vida.

A escola e a escolha – Parte III

Há na escola uma infinidade de formatos e procedimentos cristalizados pelo costume,  porque foi sempre assim que foi feito. As salas servem para separar as crianças em grupos, segregando-as umas das outras. Por que é assim? Tem de ser assim? Haverá uma outra forma de organizar o espaço, que permita interação e cooperação entre crianças de idades diferentes, tal como acontece na vida? A escola não deveria imitar a vida? Quanto ao programa curricular, quem determinou que os conteúdos que o compõe são os saberes que devem ser aprendidos na ordem prescrita? Que usos fazem as crianças desses saberes no dia a dia? As crianças escolheriam esses saberes? Os programas servem igualmente para crianças que vivem no Rio Grande do Sul e no Rio Grande do Norte? Por que é necessário que todas as crianças pensem as mesmas coisas, na mesma hora, no mesmo ritmo? As crianças são todas iguais? O objetivo da escola é fazer com que as crianças sejam todas iguais? Como querer que as crianças pensem se não vivemos no ambiente da reflexão, nem exercitamos, muito menos excitamos o pensar? Operários que trabalham em linhas de montagem não assinam as suas obras, porque não são deles. A partir da revolução industrial, a obra produzida é destituída de uma autoria humana. Cada operário tem uma função específica. Nenhum operário faz o objeto, individualmente. Cada operário faz uma única operação: juntar, soldar, aparafusar, cortar ou testar. No ramo do calçado é cortar, montar, colar, costurar, refilar ou revisar. O resultado da linha de montagem é a produção rápida e controlada de objetos iguais. A obra acabada, ou seja, o produto final não possui autoria humana e o ser humano perde sua função, ou melhor, qualidade de criador. Nossas escolas foram construídas segundo o modelo da revolução industrial, Como se fossem fábricas organizadas para a produção de peças que possuem uma finalidade única e limitada. O produto final está concluído depois que passar nos testes que, no caso das escolas, medem tão somente o nível de memorização do aluno, cujo conteúdo é facilmente esquecido passada alguns dias ou horas. Esquecemos que não mais vivemos na era da revolução industrial. Hoje vivemos em plena era do conhecimento. Somos inundados com informações e mais informações captadas das mais variadas fontes: televisão, rádio, jornal, revista,  Internet e todo tipo de mídia. Algumas são só informação outras representam conhecimento. Um dos papéis da escola é proporcionar ao estudante que aprenda fazer as devidas distinções e a conseqüente escolha.

A escola e a escolha – Parte II

Hoje a grande maioria das escolas, na prática do dia a dia, ou seja, na sala de aula, onde se encontram professor, aluno, conteúdo e método, não consegue dar o salto necessário da transmissão e reprodução para a motivação e criação. Por mais que o discurso e a proposta pedagógica tentam dizer o contrário, dando ênfase à produção do conhecimento, o ensino está concentrado na transmissão de informações. Resultado: o aluno que só acumula acaba atrofiando o potencial de reflexão e criação que diferenciam a sua condição humana.  Uns dirão: mas em tudo que se faz se pensa. Enganam-se!  Rotinas automáticas, como a decoreba no habitat da escola, não exercitam o pensamento reflexivo que está muitíssimo distante de um ato de lembrar ou fazer uma simplória conexão lógica. Pensar reflexivamente é, em outras palavras, pensar sobre o próprio pensamento, ou seja, pensar sobre o sentido do que se está pensando. Por mais difícil e doloroso que seja, porque demanda perdas, é preciso urgentemente que se faça a escolha: ou a escola prossegue despejando informações e cumprindo com o currículo vigente, que a cada dia se avoluma, ou refaz seus propósitos, orientando o currículo e os professores para de fato potencializarem competências, dentre elas a criticidade, a criatividade e a comunicação. É uma escolha que envolve conteúdo e forma, formação do professor, disposição do aluno e avaliação. É uma escolha que privilegia profundidade e qualidade do conhecimento em detrimento da quantidade de informações acumuladas num dado momento.  Hoje a escola, da forma como opera, só consegue avaliar quantidade acumulada de informação, e mais preocupante ainda, boa parte delas inúteis. Um boa dica para se medir a excelência do aprendizado é fazer a seguinte pergunta: o que se está ensinando jamais deve ser esquecido? Se a resposta for positiva o ensinamento está validade, é útil não no sentido de utilitário efêmero, mas de utilidade perene para a vida. O conhecimento evolui assim para sabedoria. Apesar de muito se falar sobre construtivismo, sobre desenvolver as competências, respeitar as “múltiplas inteligências”, não se consegue transcender, não se chega a uma prática de ensino que provoque o aluno, tornando-o mais crítico e criativo. Como é possível ser criativo e crítico se grande parte da avaliação continua medindo apenas memorização? As respostas solicitadas continuam sendo literalmente encontradas no corpo do texto que se decorou, após tê-lo copiado do quadro ou de algum outro lugar.  Claro que a escolha depende de pressupostos indispensáveis que atualmente são precários e faltam aos borbotões. Um deles, fundamental, é a falta de formação do professor, cuja causa reside também na falta de melhores perspectivas de remuneração. Dá para conceber que enquanto se prioriza a qualidade o professor não consegue ler um livro se quer por mês. Em termos de país não lê nem um livro por ano. E quando falamos de livro, não podemos deixar de lado os clássicos. Pergunte a um professor conhecido com que freqüência ele lê Dostoyewski, Kafka, Proust, Tolstoy, e por aí afora, incluindo também os clássicos nacionais?

A escola e a escolha – Parte I

Desde pequeninos, estamos acostumados a ouvir falar na importância da escola. São nossos pais dizendo que vamos para a escola aprender a ler e escrever. Somos nós curiosos para conhecer o que esta tal escola tão falada tem por dar.  A escola é tão comumente falada que pouco nos faz refletimos sobre ela, é praticamente um conceito apriori, ou seja, previamente dado, estabelecido e fechado. Mas assim como o mundo não pára, flui como as águas do rio de Heráclito, a escola se renova, ou melhor, deveria renovar-se constantemente para acompanhar a renovação constante do mundo. Deveria, mas não faz. Acaba  sendo um outro mundo desconectado do mundo que a todo momento se transforma. A conseqüência desta formatação, é a preparação de cidadãos despreparados para o enfrentamento dos imensuráveis desafios que a mudança provoca. Um dos objetivos da educação formal, ou seja, a escola, é fazer com que o aluno acumule conhecimentos que se dá através da transmissão destes conhecimentos conquistados pela humanidade ao longo dos tempos.  Outro objetivo é preparar os jovens para produzirem novos conhecimentos, a partir da dimensão criadora de cada ser humano, potencialmente, capacitado para fazer as transformações que o mundo precisa para evoluir. Resumidamente, a escola tem o papel de transmitir conhecimentos e, principalmente, nos fazer produzir novos conhecimentos. Esta segunda incumbência não exclui a primeira, mas a supera, hierarquicamente. Muitos intelectuais, e dentre eles Paulo Freire, já falaram sobre isso, talvez com outros nomes, mas o sentido é praticamente o mesmo. Denunciam que a função reprodutora da escola não é compatível com os tempos atuais, que alguns chamam de pós-modernidade. A escola não inova, não aprofunda, anda no mesmo compasso das escolas informais, dentre elas estão os meios de comunicação de massa, mais especificamente, a televisão. Sim a televisão, ou alguém acha que a televisão não ensina? Sim ensina e ensina muito, porém sem o compromisso de formar criaturas pensadoras, menos ainda criadoras. A escola de hoje produz meros expectadores ao em vez de produzir bons atores. Atores criadores que vão além de um simples ato de reprodução de um texto, mas atores que inventam e dão vida nova ao personagem que representam.