Imprensa (im)parcial: o exemplo é o futebol

Apesar de sermos o país do futebol, muitos brasileiros não gostam arte da bola, até detestam. Já outros não só gostam como são fanáticos e só enxergam a bola rolar, engolindo tudo sem mastigar, me refiro aos comentários, a princípio fidedignos, dos especialistas em futebol. Para analisar criticamente o que dizem os comentaristas é preciso tentar entender um pouco a ciência da bola. Sim porque assim como futebol é arte também é ciência, pois por mais popular que seja tem regras e estratégias. O que se viu no último jogo da seleção brasileira, na partida contra o Uruguai no Morumbi, retrata bem o quanto alguns setores da imprensa querem manipular a opinião popular e para isso exploram o que interessa. O bairrismo da imprensa do centro do país, mais especificamente São Paulo e Rio de Janeiro, chega a ser doente. Todos somos um pouco bairristas, nós gaúchos também, mas no caso da seleção brasileira o bairrismo deveria ser em nome do país e não de um ou outro estado. Até no bairrismo penso que nós gaúchos somos mais justos. Para os paulistas e cariocas o técnico Dunga, mesmo  com todo o retrospecto a seu favor, é pessoa não grata no posto de técnico da seleção, assim como foi na época de Felipão. Agora se o técnico fosse um paulista ou carioca, independentemente de estar vencendo ou não, seria a solução. Não que Dunga seja já um referência como técnico, afinal, está há muito pouco tempo nesta posição e treinar a seleção com o pouco tempo que tem é quase uma aventura, visto que sua função fica muito mais restrita a escalar do que treinar. E quanto a escalar o time e fazer as subsituições, poucos elogios Dunga recebeu ao substituir corretamente Ronaldinho Gaúcho no jogo contra o Uruguai, mesmo que a medida era do consenso geral. Menos consenso seria se Dunga retirasse Robinho ou até Kaká que junto com Ronaldinho não fizeram nada na partida, nem técnica nem garra. Certamente Dunga mais criticado seria se o escolhido para retirar do time fosse um dos paulistas. Já Ronaldinho, provavelmente por ser de outro país, mereceu todas as críticas. Falcão, talvez por ser gaúcho, foi um dos poucos comentaristas que se atreveu a dizer que Robinho seria para ele o escolhido. Sinceramente, não consegui ver quem foi o pior dos três tamanha mediocridade. Percebe-se que a imprensa tem o poder de manipular e, infelizmente, nem sempre é imparcial, sobrando até para o futebol, para muitos uma alienação, para mim uma paixão que não dispensa a razão. Diante de um mundo tão falso além da emoção temos que ser racionais, pois o grande risco que corremos é nos alienarmos do real, mesmo distante do futebol.

Farinha, ovos, sacos e caixas no chão

Assisti nesta semana a uma cena comovente. Não a comoção da compaixão, mas a comoção da frustração. Frustração porque ainda deposito nos jovens de hoje uma certa esperança de dias melhores. Mas vamos à narrativa:

Ia passando de carro pela rua Bento Gonçalves, em Taquara, mais detalhadamente no cruzamento com a Rio Branco, e vi um grupo de jovens, na faixa dos 15 anos, fazendo a famosa “guerrinha” de ovos crus e farinha, costumeiramente usada quando da vitória nas batalhas do vestibular. É bem provável que estavam fazendo algum tipo de comemoração. Num breve momento o chão da calçada, por onde depois passariam outras pessoas, ficou coberto de farinha e ovos quebrados. No mesmo chão também ficaram depositados os sacos de farinha e as caixas dos ovos, algo semelhante ao espaço onde habita um certo animal. Segui adiante de carro, mas fiquei “martelando” sobre uma possível intervenção o que acabou me fazendo retornar para tentar, quem sabe, chamá-los a atenção. Antes de sair do carro, relutei por alguns instantes, mas acabei decidindo por abordá-los. Fiz um brevíssimo ensaio da minha fala com a preocupação de não parecer intrometido e peder a oportunidade de tentar buscar a reminiscência de uma eventual consciência de cidadãos. Cheguei pedindo licença, mais ou menos assim:

– Olá moçada! Vocês poderiam me dar um minutinho de atenção?

– Sim! Responderam.

Aí com o máximo de respeito falei:

– Desculpem, não quero dar nenhum sermão em vocês, mesmo porque não sou padre. Só gostaria de dizer que assim como vocês eu também não gosto de viver numa cidade suja. Será que vocês poderiam recolher os sacos e as caixas que acabaram de deixar esparramados no chão.

Falei para dois meninos e umas cinco meninas, sendo que um dos meninos se adiantou e respondeu:

– Pode deixar eu vou lá recolher.

Saí logo dali agradecendo a atenção e mais uma vez pedi desculpas.

Não sei se depois não ficaram tirando sarro da minha cara ou até ignoraram, mas pelo que conferi removeram os sacos e as caixas, já que os ovos e a farinha não tinham mais jeito. Depois, me senti feliz. Primeiro por ter sentido irresignação, depois por ter assumido uma posição que culminou numa (re)ação. Quem sabe, alguns deles, antes de fazerem algo parecido numa próxima ocasião, terão alguns instantes de consciência e prevaleça a consideração pelo outro que também é cidadão. Será que ter ainda alguma esperança não é uma grande ilusão?