Materias Paranhana On-line 08/03/2010 – Dia Internacional da Mulher Isabella virou novela

Há de se falar no caso Isabella não para ajudar a escrever novos capítulos da novela, mas para analisar o que não aparece na tela porque está no avesso do drama em que o Brasil passou a ser expectador assíduo. Sem menosprezar o viés trágico – afinal não é possível consentir matar uma criança –  o caso assumiu uma dimensão exageradamente novelesca, com apelo expressivo à emoção em demérito da razão. Há pessoas humildes se deslocando de muito longe para presenciar cenas ao vivo e ser coadjuvante da novela. Sem o exercício da racionalidade, a esclerose é uma ameaça. Uma história trágica virou um programa de TV. Os supostos assassinos, seus familiares, advogados, policiais, promotor, testemunhas chaves, porteiro do prédio, mãe biológica da menina, vizinhos, entre outros compõem o elenco da novela. É mais do que um Big Brother, porque tem drama misturado com suspense, mistério e até uma dose de tragicomédia, se avaliarmos a conduta da população atirando pedras, bolsas e sapatos nos carros da polícia. Patrimônio que é nosso, pago com impostos, embutidos em tudo que consumimos. E a estrutura e o número de policiais envolvidos? Imagine todo aquele contingente trabalhando nas ruas da cidade, reprimindo os delinqüentes que agem até mesmos à luz do dia? Parece que a população não se dá conta disso e acaba sendo preza fácil da mídia. O espaço ocupado pelo caso Isabella é o espaço retirado daqueles de muitos outros dramas que talvez não dêem o Ibope pretendido porque viraram banalidades que não mexem mais com a emotividade. Quantas crianças são assassinadas por dia pelo Estado? Pela precariedade da saúde pública. Segundo o psicanalista Contardo Calligaris: “Essa espécie de clima geral de condenação antes da Justiça nos revela que, no fundo, não somos diferentes deles e, portanto, a raiva contra eles é só uma tradução da vontade de ignorar, esquecer, reprimir aquela parte da gente que poderia levar ao mesmo tipo de conseqüências”. O psiquiatra Benílton Bezerra, vai na mesma direção dizendo que o ser humano tem fantasias agressivas e alguém que comete um ato de horror máximo, nos ajuda personalizar nele a nossa própria fantasia. Ao longo da história do pensamento humano, muitos filósofos defenderam a teoria de que o homem é por natureza egoísta e violento, a ponto de ser “homo homini lupus”, ou seja, lobo do próprio homem, como citou Hobbes no seu Leviatã. Freud mais tarde sistematizou isso como parte do psiquismo humano. Na obra Mal Estar na Civilização chega afirmar que o Estado é um mal necessário para conter a fúria do homem, suas pulsões de morte. Saindo um pouco da tragédia em que se configura o caso em si, se conseguirmos olhar para além da emoção e comoção, podemos perceber o poder da mídia de envolver milhões de pessoas em torno de um caso que poderia ser uma causa. Além do poder, podemos perceber os recursos midiáticos à disposição, capazes de nos manter atentos e até vislumbrados com a sucessão dos desencadeamentos, mesmo sem a convicção da prova. Podemos estranhar porque não ocorre o mesmo dispêndio de esforço para mobilizar a população contra o caos da saúde, da segurança e também da educação que está longe de ter a qualidade que os tempos atuais exigem para hoje e para o futuro. Sabem do aumento recente que os deputados federais se deram passando de 50 mil reais mensais que recebem para custear assessores para aproximadamente 60 mil? E continuam recebendo salário, subsídio disso, daquilo e daquele outro –  transporte, telecomunicações, moradia – ultrapassando os 100 mil reais por mês. Fora as “comissões” que muitos deles recebem por serviços prestados à grupos privados. No caso privado da Isabella, resta-nos a esperança e a confiança na Polícia e no Poder Judiciário. Já nos crimes que afetam o cidadão, a esperança não basta. De espectadores precisamos passar a ser atores, independentemente de sermos vocacionados, por uma questão de necessidade, se deve estar conscientizado e mobilizado. E a mídia tem papel fundamental nesta virada, cabe saber se ela está interessada. Por que não cobramos justiça social com a mesma comoção que estamos dando ao caso Isabella? Será porque não tem o formato de novela?