A passividade da sociedade

Há muito se fala de um povo brasileiro que é muito passivo. Mesmo diante de situações que afetam seu bem estar, que interferem na sua vida particular, demora para agir ou até mesmo não (re)age. Atualmente, não muito diferente do passado longínquo e recente, o país continua com muitas carências,  facilmente percebidas por aqueles mais conscientes de seus direitos de cidadãos, que possuem um senso crítico mais apurado. Áreas essenciais como saúde, educação, segurança e infra-estrutura se caracterizam pela precariedade. A sociedade, onde estão inclusas as elites, não toma uma atitude ativa. Não faz a cobrança contínua de seus governos, não pressiona seus representantes, não luta por seus direitos, junto aos órgãos da justiça. Até na hora do voto, volta a reeleger os que pouco ou quase nada fizeram. Neste caso, constatamos que falta melhorar o nível de politização, através da melhoria da qualidade da educação, mas pouco é feito  neste sentido. Nem mesmo diante da corrupção, que a cada dia se escancara nos meios de comunicação, a sociedade se sensibiliza e parte para uma atitude mais reativa. Manifestações de rua, unindo trabalhadores, profissionais liberais e empresários é praticamente uma ficção. Não que resolveriam os nossos problemas, mas se fossem estrategicamente planejadas e bem organizadas, com adesão de grande parte da sociedade, poderiam servir para iniciar um processo de sensibilização dos governantes mais comprometidos com a vontade popular. Acreditamos que ainda existam governantes “eticamente corretos”. Mas, enquanto a passividade histórica persiste, sem perspectiva de mudança, podemos pensar o que leva a tal inércia. Preguiça e acomodação, inerentes ao ser humano ou brasileiro em questão? Falta de lideranças com disponibilidade e coragem para liderarem mobilizações consistentes e persistentes? Medo de punições, ou melhor, retalhações à interesses que lhes são particulares? Cultura do individualismo? A preguiça, deixemos em segundo plano para eleger a falta de lideranças como causa principal. E, talvez, o motivo da omissão dos líderes seja o medo de perderem algum benefício particular atua ou futuro. Agora, como evoluir em direção ao ideal: “cada um por todos e todos por um”, se a maioria foge de uma “incomodação”, quanto mais pelo outro? Aí, nos resta ouvir os próprios líderes. Onde eles estarão?

Desejar o desejável

Diante de uma situação indesejada, muitas vezes conflituosa e infeliz, a auto-ajuda e a religião apontam a fé como caminho da superação. Em síntese, a auto-ajuda receita o pensamento positivo e a crença em si mesma. Aplica a máxima: “eu acredito, eu posso!” A religião prega a fé num ser superior, que tudo pode e está ao nosso lado para nos proteger e nos ajudar a vencer, inclusive a morte. Para a religião “a fé salva, a fé move montanhas!” Em comum: querer e acreditar, acreditar e querer.  Na base de ambas, a fé, que não requer explicações, nem questões. Não há margem para a razão que busca desvendar a verdade no palco da realidade. Os mais céticos, e a grande maioria dos filósofos são, vão recorrer à razão para primeiro compreenderem o contexto e depois buscarem a superação da dita situação indesejada. Poucos conseguem, mas continuam tentando. Quando encontram uma resposta para o porquê, já surge uma nova dúvida e uma nova inquietação que não traz a esperança da solução. Por isso, diante da desesperançosa razão, é mais óbvia a fé. Outros continuarão sofrendo na busca de uma verdade, que a todo instante escapa. Outros ainda chegarão a um meio termo, a resignação. Uma espécie de mistura de vontade e crença, que culmina numa certa conformidade. Vontade de chegar à verdade. Crença de que a verdade é muitas vezes inviável, principalmente quando depende da nossa e da razão dos outros.  A filosofia estóica talvez é a que mais se aproxima desta perspectiva.  Para os estóicos devemos querer única e exclusivamente aquilo que depende de nós. Já dizia o filósofo Marco Aurélio, nos tempos que o cristianismo nascia: “nunca espere tranquilidade dos outros”.
Diante da situação indesejada e infeliz, em sua maioria quando estamos em desarcordo com um ou mais pessoas, cuja superação não depende só de nós, resignemo-nos. Para isso, uma recomendação, também do estóico Marco Aurélio, do seu livro Meditações: “corre em direção ao teu alvo e cuida de ti, renunciando a vãs esperanças, se por ti te interessas, enquanto ainda é possível”.  Ou seja, vá em direção ao que desejas, mas não espere além do que possa desejar. Ainda no campo das recomendações, logicamente argumentadas, podemos encontrar em Marco Aurélio um consolo: “tudo que vês logo se transformará e deixará de existir”, ou seja, a natureza é sábia  e até a indesejável dor terá um fim. Dentre muitas questões que ficam para quem gosta de aprofundar a reflexão filosófica, como podemos frear o desejo, na medida em que é humanamente humano desejar e desejar mais? Em outras palavras, como querer, mas não querer demais? O que determina o limite e como aceitá-lo quando ele impossibilita o meu desejo? Menos laboroso do que refletir e pensar, talvez seja acreditar. Acreditar que o desejável um dia se realizará, nem que seja num outro impensável, mas imaginável, lugar.