Ensino Médio: um conflito existencial (Parte II)

Além do problema da falta de foco e da superficialidade de conteúdos do Ensino Médio brasileiro temos o problema da forma como as aulas são dadas aos nossos adolescentes. O ensino tradicional transmite uma determinada noção e passa para o capítulo seguinte que trata de outra noção. Só que apenas alguns poucos iluminados entenderam de fato a primeira noção. Para que todos entendam, é preciso a experiência. Pesar, medir, comparar, para então constatar e refletir. Isso se dá na Física, na Biologia, na Química, e também na Filosofia e nas ditas ciências humanas. A prática deve estar sempre ao lado da teoria e vice-versa. Na ciência, não há teoria sem prática. O ensino prático é aquele que usa amplamente as vicissitudes do mundo real para consolidar o aprendizado das teorias mais centrais da produção intelectual. Uma escola deve proporcionar amplas oportunidades para uso tanto das mãos como da cabeça.

Na Europa encontramos escolas diferentes para cada perfil. Nos casos mais radicais, dentre os quais Alemanha, Áustria e Suíça, a partir da 10ª série, dois terços da faixa etária vai para o sistema de aprendizagem profissionalizante. Os alunos têm aulas teóricas na escola com profissionais da área e fazem a prática nas empresas.

Os EUA adotam o modelo denominado comprehensive high schools. Todos os alunos vão para a mesma escola e, uma vez lá dentro, são separados em programas diferentes, de acordo com aptidões e preferências. Na Europa, a triagem se faz antes de entrar na escola e de acordo com o perfil de cada aluno, haverá uma escola mais apropriada, dentre elas algumas semelhantes à comprehensive, com múltiplas opções internas. Ou seja, na Europa cada escola tem sua especialização, nos EUA a escola tem múltiplas especializações.

O Brasil é único em educação. Não há opção de modelos entre escolas nem opção dentro da escola. Na teoria, todos freqüentam a mesma escola e, dentro delas, não há diferenciação. As disciplinas cursadas são as mesmas. Pela regra, não pode haver classes adiantadas nem atrasadas. Quase não há disciplinas opcionais. Todos estudam sob o mesmo currículo oficial. Ao final, todos recebem um diploma obrigatoriamente aceito em qualquer curso superior. Na teoria, é o sistema mais democrático de todos e mais defasado também.

A proposta velada da maioria das escolas privadas, especialmente nas grandes capitais, é a preparação para o vestibular da universidade federal mais próxima. Os pais esperam que o currículo abarque todo o conteúdo que cai no vestibular, sem imaginar que o inchaço curricular impede a profundidade no que é ensinado. Como resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüência. Não há tempo para aplicar o que foi aprendido, portanto, não chega mesmo a ser aprendido. O preço de ensinar demais é os alunos aprenderem de menos. E os pais? Bem, estes parecem ainda viverem a ilusão de que um diploma no curso superior é garantia de uma vida profissional de sucesso. Mal sabem eles a defasagem existente entre as Academias e o mercado profissional. É preciso coragem às escolas para ensinar o que a maioria dos alunos, realisticamente, pode aprender e não o que os pais e os educadores gostariam que aprendessem. Sem tal clareza, não é possível cobrar resultados.

O Ensino Técnico pode se apresentar como uma alternativa complementar para o dilema entre o vestibular e o mercado de trabalho. Comparado com qualquer país industrializado, seu porte no Brasil é ínfimo, estando bem abaixo de 10% da matrícula no nível Médio. Na maior parte dos países da Europa, pelo menos 30% dos alunos dessa faixa etária estão em escolas técnicas.

Toda esta introdução é apenas para expressar o sentimento de que mudanças na educação formal de nosso país se fazem necessárias. Esperamos que não tenha passado da hora, mas as escolas precisam resolver seu conflito existencial Definir o foco, rever o conteúdo e a forma de ensinar sem a pretensão de agradar a todos, já que é impossível criar uma escola que atenda a totalidade. Encarar explicitamente suas deficiências, formação de professores, sistemas de avaliação do aluno e do professor, interação com pais e sociedade, enfim, demonstrar que de fato está comprometida com o futuro da geração que está aí e das gerações que estão por vir. Pelos nossos filhos, pelo nosso País.

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