Uma grande filósofa por uma grande atriz

Tive o privilégio de assistir Fernanda Montenegro na peça “Viver sem tempos mortos”, no teatro São Pedro, em Porto Alegre. A atriz, uma unanimidade da dramaturgia brasileira, durante sessenta minutos, apresentou um monólogo com trechos de correspondências da filósofa francesa Simone de Beauvoir. Os fragmentos contam a vida e os amores de Simone, vividos em nome da liberdade. Mas antes de falar do conteúdo filosófico da peça, é impossível não reconhecer o talento de Fernanda Montenegro com seus 82 anos, que capacidade de memorização, de representação! Ela consegue prender a atenção da platéia sem precisar de qualquer recurso “pirotécnico”. Sentada solitariamente em uma cadeira, a atriz narra um conteúdo denso, conseguindo vidrar o público que no encerramento da peça lhe coroou com um prolongado aplauso. “Viver sem tempos mortos” é viver a liberdade em sua totalidade, é viver intensamente sem desperdiçar qualquer instante. E Beauvoir fez isso como ninguém em pensamento, pela via da filosofia, em parceria com Sartre, e na sua vida privada, pela via do relacionamento amoroso, principalmente com Sartre . “A liberdade manda, ela não obedece.” A idéia de Simone é que “o homem é antes de mais nada o que deseja ser”, como pensam também os demais filósofos existencialista, escola a que Simone pertenceu. Não há destino previamente determinado. O destino é produzido por cada um e pela contingência do acaso. É por isso que a mulher não nasce mulher, mas ao longo da vida ela se torna mulher e conquista com as próprias mãos a sua feminilidade. O homem não é diferente, também não nasce homem, mas se torna homem ao longo da experiência de vida. Ninguém é, antes de ter sido. No monólogo, além do pensamento filosófico de Simone, Fernanda Montenegro narra a morte de Sartre, processo reconhecido como o o mais doloroso vivido por Simone de Beauvoir. Morte que como ela mesmo disse: é menos terrível para quem está cansado. Sartre já estava em coma quando morreu, mas, se estivesse consciente, é bem provável que já estaria cansado de não poder mais viver, desfrutando da liberdade que tanto amou.
Marcos Kayser

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.