Escrevi outro dia que viver é decidir. Agora acrescento que viver é conhecer. Decidir para nos tornarmos o que realmente somos e o que só poderá ser possível se nos conhecermos. Caso contrário, seremos qualquer coisa, exceto nós mesmos. Numa sociedade de consumo como a nossa, somos muitas vezes o que esta sociedade quer que sejamos. Permitimos conscientemente e inconscientemente a manipulação do nosso imaginário, produzindo desejos e sentimentos que não são nossos mas que acabam sendo assumidos como se fossem. “Gosto porque o outro tem e está na moda”. E assim perdemos nossa originalidade, isso se algum dia tivemos. Deixamos de ser nós mesmos e deixamos de viver criativamente nossa existência. Então, para que as decisões de nossas vidas sejam realmente nossas e nos tornemos o que verdadeiramente somos, recomenda-se conhecer a si mesmo, o que é bem óbvio, mas nem sempre assumido. Conhecer as virtudes, fraquezas, desejos e medos, requer coragem para imergir nas profundezas do nosso ser, um “sem fundo”, como nomeia o filósofo e amigo Castor Ruiz. Podemos nos frustrar e até nos assustar com algumas descobertas. Alguém poderá nos ajudar neste trabalho de autoconhecimeto, e há profissionais especializados, e há amigos, mas desvendar a intimidade compete apenas ao indivíduo que a retém. Descobrir-se é exclusividade da nossa individualidade. Sun Tzu na Arte da Guerra fala que não basta conhecer o inimigo para obter a vitória, é preciso conhecer a si mesmo, como condição para conhecer o inimigo. O mesmo Sócrates do “sei que nada sei” destaca a inscrição do oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Talvez jamais saberemos tudo sobre nós. Humildade para reconhecer nossa ignorância. Mas é preciso tentar se conhecer minimamente, sob risco de desperdiçar a própria vida. Momentos sozinhos, eu comigo mesmo, são indispensáveis. Os mais zen optam pela meditação, os mais racionais pela introspecção. Um ou outro, ou ambos, o que vale é o encontro. Num mundo cada vez mais cheio de trabalho e lazer, onde olhamos mais para fora do que para dentro e estar só se confunde com doença, há muita ignorância de nós mesmos, por mais que neguemos orgulhosamente. Sem olhar para si continuamente, em busca do novo e do velho, corremos o risco de fazer da nossa vida um autoengano. Novo e velho porque pela mudança constante de si e do mundo, sempre tem uma novidade para combinar com nossa antiguidade. Sem o autoconhecimento, abdicamos a própria vida e seremos velhos desconhecidos de nós mesmos.