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AMIZADE

Cícero, filósofo da Idade Média, já dizia: Existe alguma coisa melhor do que ter alguém com quem te atrevas a falar como contigo mesmo? Antes dele, Aristóteles: Que é um amigo? É uma única alma que vive em dois corpos. O amigo é um outro eu. E Demétrio: Um irmão pode não ser um amigo, mas um amigo será sempre um irmão. E, ainda, Plutarco: Não preciso de amigos que mudem quando eu mudo e concordem quando eu concordo. A minha sombra faz isso muito melhor. Embora o tema da amizade não esteja mais tão em voga, grande parte dos filósofos fez referências a ela em seus escritos. Na obra “Ética a Nicômaco”, Aristóteles define a amizade como sendo essencial a uma boa vida e distingue três tipos: A amizade baseada na utilidade, a amizade baseada no prazer e, aquela considerada a mais perfeita, na virtude, que seria a amizade entre os sábios, que vão até as últimas causas e conseqüências do ser. Para os estóicos, apenas o terceiro tipo pode ser chamado de amizade (“philía”). As demais só duram enquanto durar o interesse ou o prazer. Segundo Aristóteles, “quando homens são amigos, a justiça não é necessária”. Um sábio prefere ele próprio sofrer injustiça a ver seu amigo recebê-la. Se indagados sobre o que é a amizade, somos impelidos a definir o que é um amigo. Aquele que na “hora do aperto”, metáfora usada para descrever momentos de dificuldades, tristezas e até sofrimento, age antes mesmo que seja solicitado. Age com espontaneidade, distanciando-se do auto-interesse natural do humano, sem pretensões de recompensas. O amigo não se dispõe, ele se doa. A disponibilidade é passiva, enquanto a doação é ativa. O amigo não se mede pelo critério da quantidade, mas sim da intensidade. Normalmente, são muito raros, as vezes únicos, no sentido que temos um só, o que não é demérito. Necessariamente, ter poucos, não sintetiza nossa má performance na arte de fazer amigos. Amizade não é produto que sai de uma linha de produção, com quantidade e tempo de finalização, previamente determinados. Amizade é uma construção que se dá ao longo do tempo, de mão dupla, na qual eu sou amigo do amigo e o amigo é amigo meu. Não pensamos no amigo apenas na hora do que não temos nada a fazer, na hora que sobrou tempo, nem somente na hora da dificuldade, do desprazer e da dor. O amigo é pensado constantemente, também na hora do tempo que não temos tempo, nos momentos de alegria e de prazer. Apesar de muitas vezes não dedicarmos à atenção merecida pelo amigo, muito em função da mecanização vivida na sociedade da escassez do tempo, o amigo ainda é o grande afeto que temos para repartir os prazeres e as dores que a existência nos reserva. Talvez, a contenção de parte de nosso individualismo excessivo colabore para preservarmos as verdadeiras amizades. Amizade não é só distração, é contemplação na relação marcada pela identificação.

Por Marcos Kayser (amigo do pensamento)

(Comentário realizado na rádio Taquara – 18/04/2005)

Animalidade

Segundo estudos da Universidade de Emory, em Atlanta, os chimpanzés têm senso de justiça. E respondem negativamente a recompensas desiguais. Os chimpanzés até toleram ser prejudicados em negociações com amigos e parentes, mas não permitem fazer esse tipo de acordo com estranhos. Ou seja, dependendo com quem estão lidando, apresentam reações distintas. Em 2003, pesquisadores já tinham demonstrado que os macacos-prego também têm senso de justiça. Mas esses animais não apresentaram a mesma variedade de respostas dadas pelos chimpanzés. De acordo com a pesquisadora Sarah Brosnan, a evolução entre chimpanzés e humanos tem de cinco a sete milhões de anos de diferença. Já os macacos-prego são separados dos humanos em pelo menos 40 milhões de anos. Quando a comida está em jogo, é interessante observar as reações dos chimpanzés. Se eles recebem uma quantidade inferior de alimentos, mesmo tendo feito o mesmo trabalho que o outro, somente se rebelam se não forem íntimos do rival. Caso estejam competindo com amigos ou familiares, a tendência é ignorar a injustiça. E assim a ciência vai revelando as semelhanças entre animais e humanos. Outro estudo, feito pelo setor de antropologia da Universidade de Harvard, com chimpanzés e lobos, revela que os animais também lutam como o homem. Essas espécies têm a tendência de se organizar em grupos de machos, em geral das mesmas famílias, para defender seu território e matar os inimigos. Além de defenderem território, grupos vizinhos de chimpanzés patrulham fronteiras e até invadem o terreno alheio à procura de comida. E, se um deles cair nas garras de adversários, será morto ou gravemente ferido. A teoria da evolução, apresentada por Charles Darwin, explica as vantagens desse impulso combativo: o grupo que mata com mais eficiência em breve ficará com um número maior de guerreiros e o inimigo, com sua linha de defesa reduzida, ficará debilitado para reagir a futuros ataques. O grupo vencedor aumenta de tamanho e se torna cada vez mais forte, podendo controlar as terras e os recursos. Em situações onde existe uma competição por recursos, é vantajoso matar o maior número possível de inimigos.  Esses ataques são muita semelhança ao que ocorria com a Roma do Medievo e ao que ocorre com os EUA dos nossos dias, o que não significa dizer que o ser humano é por natureza belicoso e violento. Temos uma pré-disposição para a competição, ou seja, luta pela sobrevivência como meio de preservação da espécie, que poderá se tornar mais ou menos violenta a partir das relações de alteridade. Agora, na medida que essa luta transcende o sentido da sobrevivência, ela assume a condição de barbárie. O que nós fazemos, nenhum animal seria capaz de fazer, tamanha intenção bárbara. As crianças iraquianas que o digam, como também a cachorrinha de Pelotas, esfacelada brutalmente, junto de seus filhotes, quando arrastada premeditadamente por um carro. Em tempos antigos, lutávamos por liberdade. E agora, lutamos pelo o quê?  Dá para explicar nossa incapacidade de agir como humanos civilizados? A diferença entre homens e animais é de fato tão acentuada assim como um dia imaginávamos? Mesmo que nosso orgulho não permita qualquer parentesco com os animais, a evolução da ciência parece apontar para uma proximidade quase de irmandade. E em conseqüência de nossa animalidade a civilização continua adiada.

Mulheres: sem elas nem seríamos

Amanhã, dia 8 de março, é o dia Internacional da Mulher. Dia que, talvez, não fosse necessário existir, caso não houvesse ainda um grande preconceito com relação as mulheres. Este dia tem uma motivação política para que se reflita sobre a situação da mulher na sociedade contemporânea. Situação que já melhorou se comparada aos primórdios da história da humanidade. Nos tempos antigos, mais precisamente na Grécia do século V a.c., a mulher era equiparada aos escravos, aos estrangeiros e as crianças, cujos direitos simplesmente inexistiam. Para os gregos da época essa era uma configuração normal, ou seja, era algo que compreendia as determinações da natureza humana. Era assim porque a natureza tinha determinado ser desta forma. Na Idade Média, da não existência a mulher passou a começar a ser vista como um ser existente, mais ainda depreciativamente. Era, muitas vezes, considerada um perigo para os homens. Espécie de feiticeira ou bruxa. Na modernidade, no decorrer do tempo, a mulher foi passando a conquistar direitos até nossa atualidade onde vota, a trabalha e governa. Encontraremos em vários setores da sociedade a presença da mulher, conquistando as oportunidades que antes eram de exclusividade dos homens e que são direitos de todo o ser humano, independentemente do sexo. Contudo, ainda existem muitos preconceitos, muitas mulheres ainda são violentadas por seus maridos, ainda são recusadas em determinadas atividades profissionais. Cabe as mulheres continuarem na direção da conquista e cabe aos homens reconhecerem que é justo e muito bom terem igualdade de direitos com as mulheres, por que, afinal, o que seria de nós sem elas? Na verdade, sem elas nem seríamos. Nem existiríamos. É do ventre apaixonado da mulher que somos projetados para a vida. E a mulher amada, a mulher namorada? O que seria de nós sem elas? São, com certeza, grandes motivos da nossa existência. Obrigado mulheres por existirem e esperamos que em breve não se precise mais existir do dia internacional da mulher, pois não teremos mais preconceitos contra a mulher e todo o dia será o dia delas.

UM POUCO SOBRE ÉTICA

Falamos de ética no direito, na medicina, nas empresas, na política, enfim em todos os campos de atuação do ser humano. Usamos quase que diariamente a palavra ética para designar a conduta de certas pessoas que nos parecem responsáveis, conseqüentes e honestas. As condutas que julgamos incorretas classificamos de anti-éticas. Infelizmente se usa muito mais a designação anti-ético do que ético. A política é um exemplo disso. Costumamos nos referir aos políticos brasileiros como sendo muito mais anti-éticos do que éticos.

Mas o que nos leva a julgar e classificar uma ação como certa ou errada? São os critérios, e a ética é a disciplina da Filosofia que reflete sobre estes critérios, procurando elucidar se uma atitude, ou postura, é boa ou má, correta ou incorreta, justa ou injusta, coerente ou incoerente. Porque não posso justificar minha avaliação apenas pelo fato de que a lei assim determina (a lei também dá margens a interpretações, ela não é absoluta); também não posso justificar pelo fato de que foi meu pai, minha mãe, meu professor, ou alguém de indiscutível credibilidade que me ensinou e disse que era assim e pronto. Se aprendemos algo é necessário uma justificativa para que este algo seja coerente e tenha consistência, não basta que tenha sido dito por uma autoridade. É necessário fundamentação reflexiva. Também uma determinada justificativa pode sofrer mudanças ao longo do tempo. O que era uma verdade no passado, hoje pode não ser mais. Por conseqüência, podemos e devemos mudar de postura caso os critérios de julgamento variem, porque os contextos variam. O que não significa dizer que sejamos “Maria vai com as outras” ou que não temos posição. Como já dizia o filósofo grego Heráclito “uma pessoa não se pode banhar duas vezes no mesmo rio”, dando a entender que a pessoa muda e o rio que corre também muda, pois as partículas de água não são as mesmas já que estão em constante movimento.

Na história do pensamento humano, encontramos três vertentes principais que procuram fundamentar os critérios para julgamento de uma ação. Há os que pensam que uma ação é correta quando praticada por um agente virtuoso; há os que pensam que ser ético é cumprir com uma máxima universalizável, ou seja, um dever que se aplica a todos e há aqueles que entendem que medimos a validade de um ato pelo que traz de felicidade a mim e ao outro. Porém, todas estas tendências apresentam algum tipo de problema, pois todas requerem algo comum entre todos os agentes. Na prática, verificamos que o virtuoso também erra, que a felicidade para mim necessariamente não é a felicidade do outro, assim como o dever de um muitas vezes não é o dever de outro.

O problema central da ética é a dificuldade que temos de conciliar entendimentos e desejos. Fica aqui uma indagação sobre até que ponto conseguimos nos colocar na posição do outro para avaliarmos se uma ação é correta, é válida, é justa, é honesta. Talvez, se assim conseguirmos fazer, estaremos nos aproximando de uma fazer ética.

Por Marcos Kayser