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A imortalidade parental

Por que ter filhos? É da filosofia a natureza de perguntar os porquês, mas quando o assunto é filhos, crianças e mulheres o discurso filosófico é bem mais restrito. Quanto as mulheres, acredito que o motivo está relacionado à cultura antiga de considerar a mulher como um ser inferior e, para muitos, um ser incompleto, um quase ser. Algo absurdo para os dias atuais em que as mulheres, a cada dia, reafirmam seu espaço. Que bom, para elas e para eles (nós)! Quanto aos filhos e as crianças, o fato de muitos filósofos não terem passado pela experiência da paternidade, pode explicar, em parte, uma eventual renegação do tema. Hegel foi um dos filósofos que fugiu à regra. “É apenas nas crianças que a unidade do matrimônio passa a existir, uma vez que ambos amam os filhos como o próprio amor”, diz Hegel.  Para ele, não ter filhos sinaliza uma  falta na natureza amorosa de um casal. São os filhos que concretizam a família. Os filhos geram também o sentimento de que há mais vida por vir depois da morte dos pais, já que quando estes se vão, pelo menos é assim na maioria das vezes, os filhos permanecem existindo, perpetuando a vida dos pais tanto pelos genes quanto pela memória. Quando vem ao mundo, o filho se torna a memória do pai e da mãe, o arquivo reunido, daqueles que o criaram, seja com amor ou desamor. Sim, há pais que não amam seus filhos, por mais absurdo que pareça. Algo impensável, mas real. Particularmente, os filhos me deram a dimensão de um amor incomparável. Talvez seja o que mais se assemelha ao amor cristão, aquele que dá a vida por seu irmão.  Junto deste amor incomparável vem o apego, aquele sentimento de não querer largar mais, por mais que ouvimos a pregação de que geramos os filhos para o mundo. Apego que os estóicos e budistas não aconselham, já que o apego é sinônimo de sofrimento. Filosoficamente, temos um problema: será possível amar sem se apegar? Os filhos não existem para salvar a união dos pais, nem para dar sentido as nossas vidas.  Eles não merecem esta sobre carga. Apesar de significarem tudo ou quase tudo para nós pais, chega o tempo em que eles se desapegam, independentemente do nosso desapego. Claro que há exceções e muitas vezes representam certas patologias. Mesmo assim, os filhos continuarão assegurando nossa imortalidade parental e o amor que temos por eles ninguém tira mais. Dá trabalho, traz preocupação, mas ter filhos é bom demais! Muito obrigado por existirem!

“Deixar na mão” não é mais exceção

As relações comerciais estão vivendo um momento difícil. Parece que deixar o outro esperando ou não cumprir com o combinado, virou rotina. E como a maioria é assim, quem faz não se importa muito com as consequências. As empresas prestadoras de serviços e os profissionais liberais são os campeões. Na semana passada, me chamou a atenção uma sequência de episódios que aconteceram comigo, no mesmo dia. As pessoas marcaram, assumiram compromisso e não cumpriram.  Não dá para dizer que são pessoas sem formação e educação. Teoricamente, todas tem uma boa noção do que é responsabilidade, comprometimento, dever. Foi-se o tempo em que tudo era feito pelo cliente. Não basta requisitar uma só vez, tem que insistir e, quem sabe, suplicar e pedir “pelo amor de Deus”. Entre as que me “aprontaram”, duas eram da área da saúde, uma da eletrônica e outra do comércio. Foram quatro episódios, um na sequência do outro. Chegou a ser engraçado e minha sorte foi que não era nada urgente, pois, certamente, não seria muito diferente. Talvez ,uma das causas, injustificável, é claro, seja que as pessoas estão com serviço de sobra e perder um cliente não traz preocupação. É a velha questão: os fins justificando os meios. Cumpre-se uma obrigação só pensando no que pode ocorrer, o que vai ganhar ou perder. Como “deixar na mão” é quase uma máxima, que se repete com a maioria, pensam que dificilmente vão perder o cliente. Onde estará a noção do dever? Dos quatro, dois ficaram de me dar retorno, aquele conhecido “sem falta”, e nada. Isso que liguei mais de uma vez. Os outros dois marcaram, combinaram horário e não apareceram. Fiquei esperando, deixei de fazer outras coisas, não menos importantes, e, além da frustração, terei que retomar o contato com os quatro, correndo o risco de mais uma vez ser “deixado na mão”. Como tenho uma empresa de prestação de serviços e, junto dos meus sócios, ficamos preocupados que esta desconsideração tenha se espalhado feito um vírus e também esteja nos atingindo, peço que aquele que marcar algum tipo de serviço conosco e não for correspondido, ligue imediatamente para algum nós. Ainda somos do tempo em que “ouvir o cliente é obrigação, atendê-lo bem é realização”.

Marcos Kayser

Professor não é mais doutor

Hoje é dia do professor e tenho uma relação íntima com esta figura. Minha mãe, a dna. Mary, era professora. Professora muito braba, mas muito querida e respeitada. Tenho tias professoras, tia Mairy, tia Branca, não tão brabas e não menos respeitadas. Professoras para quem “batíamos continência” com certo medo, mas também como sinal de carinho e respeito. Dna Zélia, dna Dula, dna Zênia, as professoras do ensino primário, hoje chamado fundamental, ficaram registradas com mais intensidade na memória. Talvez porque elas assumiam um papel de segunda mãe. Professor que na época tinha status de doutor. Hoje nem o próprio doutor tem status de doutor. No caso dos professores, além do respeito, perdeu-se também uma dose de afeto que permeava a relação. Pode ser reflexo de uma sociedade diferente, onde as pessoas estão mais distantes uma das outras. Vejam o que fazemos no Facebook. Declaramos sentimentos e momentos, mas nos limitamos ao mundo da virtualização. Há uma desconfiança generalizada entre as pessoas e para com as instituições. Haverá alguém que cumpre as normas abrindo mão de seus desejos particulares, agindo tão somente porque o dever comanda? Haverá alguém apaixonado que age por amor? E onde fica o professor? Na época da minha mãe e das minhas tias, isso aconteceu a 50 anos atrás, a formação era outra. As Faculdades eram muito mais austeras. Hoje o problema começa já na formação. A grande maioria dos professores recebem a intitulação sem terem o preparo prático para enfrentarem o dilema da sala de aula: como fazer o aluno “ficar ligado”? Resultado: completa frustração, tanto do aluno como do professor. O aluno criança ainda suporta ir à escola enquanto lá estiver brincando nos anos iniciais. Depois da 5ª série, quando cessam as brincadeiras e não há mais a dedicação exclusiva de um professor, se inicia o processo de desencantamento e deseducação. Já o professor se frustra pela falta de reconhecimento do próprio aluno e pela falta de futuro, sem falar no problema da baixa remuneração. Na época da minha mãe, o professor ganhava o suficiente para comprar o seu carro e construir a sua casa. Este ponto é polêmico. A remuneração é baixa, mas, para muitos, os professores não fazem por merecer uma melhor condição. No dia do professor não quero entrar nesta discussão. Hoje, quero homenagear aqueles professores que ainda sonham, dão a vida por esta profissão e trabalham com muita paixão. Parabéns professor!

Marcos Kayser

Vale do Silício: ciclo virtuoso da colaboração

Na Missão Internacional ao Vale do Silício, na Califórnia, confirmei que, no vale da inovação, o conceito mais introjetado e priorizado é o conceito da colaboração. Colaboração entre empresas e entre pessoas profissionais e cidadãs. Visitando uma aceleradora de empresas, perguntei a que atribuíam o senso de colaboração e me responderam que isso estava na cultura de todos daquele lugar, que,  de uma forma ou de outra, receberam ajuda algum dia e se sentem no dever de retribuir. O espírito colaborativo virou um ciclo virtuoso. É fácil também identificar que não há empresa sem planejamento estratégico, não há abertura de empresa sem plano de negócios, não há trabalho sem metas e controles. A liberdade de levar o cachorro ou um aquário de estimação para o trabalho, de fazer a qualquer momento um lanche, de sair para jogar um vôlei no pátio ou nadar numa piscina com correnteza, fatos que presenciei na Google, é partilhada de um alto grau de exigência para que as tarefas e as metas sejam cumpridas no prazo e com qualidade. A piscina chama a atenção. Ela tem em torno de 2 por 3 metros, espaço para um solitário nadador. A surpresa é que enquanto tem um nadador na piscina, tem um salva vida do lado de fora, prestando atenção para intervir, caso necessário for. Um país de primeiro mundo está nesta posição porque se preocupa com segurança e tem leis para serem cumpridas, sem exceções. Se há dois aspectos que se destacam na cultura americana, são eles o planejamento e a disciplina. A metodologia PDCA, do planejar, desenvolver, controlar e ajustar, está em todo o lugar. Usam ferramentas de planejamento e acompanhamento como o  Scopi – Software de Planejamento e Gerenciamento de Projetos (www.scopi.com.br).  Se não somos mais o país do futebol, o que seremos? As ideias novas, as inovações, não só em produtos, mas em processos, são incentivas naturalmente e, na maioria dos casos, não há premiação financeira para quem apresentar e desenvolver uma ideia. A premiação está no orgulho de ter tido uma ideia aceita e de ter a competência para concretizá-la. E não só no âmbito empresarial a ordem se evidencia, caminhando pelas ruas das cidades,  tanto nas grandes como nas pequenas,  vê-se muita organização e limpeza. Quem perturbar a ordem é punido num curto intervalo de tempo.  No trânsito, por exemplo, não é só o motorista que leva multa, o pedestre que infringir a lei também. Não é a toa que se costuma dizer que “lá as coisas funcionam”. Curioso que não precisa ser americano para aderir a cultura do respeito e da excelência. No Vale do Silício, existem muitos estrangeiros de origem de países do terceiro mundo, como Índia e Brasil. Só que lá, tanto os indianos como os brasileiros, colaboram e se comportam como americanos, por que será?

Marcos Kayser

Seleção brasileira: mercadoria que paga comissão

A imprensa nacional divulgou o acerto entre a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e a comissão técnica sobre os valores da premiação aos jogadores em caso de título do Brasil na Copa das Confederações. O valor não foi divulgado, mas, seja qual for o montante, será justo premiar quem deveria se orgulhar em representar uma nação? Haverá valor maior do que a honra de defender a pátria e, ainda, fazendo o que mais gosta? Jogar futebol, ficar em concentrações luxuosas, ter tratamento de celebridade, ter todo o suporte médico, receber aplausos no campo de futebol, será tão sacrificante? É duro reconhecer que o futebol se reduziu a interesse financeiro por parte de quem joga, comanda e daqueles que através do futebol arrecadam milhões. Representar a seleção de seu país não poderia ser tratado como uma oportunidade para o jogador faturar e aumentar o seu já expressivo patrimônio. Será que o valor recebido por cada jogador da seleção em seu clube não é suficiente para estar financeiramente motivado. Vale a máxima de quanto mais tem, mais quer, e  o que mais quer é dinheiro. Parece que tudo se resolve com dinheiro, como que com dinheiro tudo fosse possível comprar. Aprendi a gostar de futebol desde pequeno, quando jogava no meio da rua em meio aos carros que eventualmente passavam e desviavam dos tijolos que serviam de marcação para as goleiras. E ali ficava a tarde inteira. Aprendi a torcer quando o meu vizinho, querido seu João, me fez conhecer a emoção de ir ao estádio do meu time do coração. A razão me orienta a torcer para o Brasil perder a Copa das Confederações e, quem sabe, mostrar que o dinheiro não faz ser campeão. Vão dizer que não sou patriota, mas como ser se nossos representantes, os jogadores que jogam por nós, não são? É um pouco semelhante a nossa representatividade política. Como apoiar a política brasileira, na medida em que a grande maioria dos políticos priorizam as suas remunerações em detrimento ao maior valor que deveriam  preservar, o amor à pátria, a pátria amada, o Brasil? A mercantilização está disseminada, é regra, sem exceção. Até o futebol virou uma mercadoria que paga comissão. O que fazer, torcer ou não por este tipo de seleção?

 

Dez (in)certezas

Apontar certezas pode representar prepotência, arrogância, petulância. Mas, com uma certo dose de desconfiança,   resolvi listar 10 certezas sobre o homem e sobre o mundo. São elas:

1. O tempo não pára.

2. Tudo no mundo muda, menos a mudança (Heráclito já dizia).

3. Tudo tem seu contexto.

4. Tudo está direta ou indiretamente interligado.

5. Tudo tem seu contrário.

6. O dinheiro não é tudo, mas a vida fica bem difícil sem ele.

7. O ser humano tende mais ao prazer do que a dor, exceto o masoquista.

8. Primeiro eu, depois o outro.

9. Todos nesta vida morrem, depois não se sabe.

10. Não há certeza absoluta.

Perguntemos então: por que ter o trabalho de pensar e enumerar dez certezas se a décima postula justamente a incerteza? Resposta: Porque é dos homens (e das mulheres também, é claro) ficar procurando um chão que sustente a passada durante a caminhada nesta dura jornada.  Tudo na vida é uma questão de liberdade e segurança!

Marcos Kayser

Mulheres

Mulher, o que dizer dela quando não somos ela? Bem no início, no primeiro suspiro, quando chegamos à vida, todos somos dela. É a mulher mãe, a quem nos filhamos. Filhos que, numa certa altura da infância, são capazes de desafiar o próprio pai, em nome do amor que sentimos pela mulher mãe. Chamam isso de Complexo de Édipo, cujo fim predominante é a vitória do pai (e da mãe). Dizem que as mulheres são superiores e os homens invejam elas. Quem diz, em sua maioria, são as mulheres.  Eu penso que nós homens  temos muito que invejá-las, mas, ao mesmo tempo, temos o privilégio de conquistar o amor delas. Curioso, como pode um ser superior se ligar ao inferior e até estabelecer laços de um eterno amor?  Por que então se sentir inferior ou superior? E haja mulher na vida de um homem. É o amor da mãe, a paixão da namorada, o amor da mulher amada. No caminho, o afeto das avós, das professoras e das tias, que não deixa de ser um tipo de amor. Uns tem uma irmã mulher, outros tem uma amiga mulher. Na evolução dos tempos e das mulheres, encontramos hoje a mulher diretora de empresa, a mulher vereadora, a mulher prefeita, a mulher presidenta. Antigamente, eram  excluídas da sociedade. Faziam parte de uma outra espécie. Violentadas, desprezadas e hoje chegam a ser reverenciadas, com exceções, é claro. Mérito delas. Orgulho dos homens que aprenderam a conquistar elas.  Dizem que todo homem tem um lado feminino, um lado mulher. Se é assim, temos mais motivos para reconhecer elas. Concordo com o ditado que diz que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher e acrescento que o inverso é também verdadeiro.

PMDB: está mais para MDB ou ARENA?

Entre os anos 1966 e 1979 vigorou no Brasil o bipartidarismo. No bipartidarismo eram apenas dois partidos políticos,  no caso a ARENA e o MDB, no comando da nação.  A ARENA era a corrente política situacionista e o MDB era a corrente oposicionista. A ARENA era a chamada situação e o MDB a oposição. A ARENA (Aliança Renovadora Nacional) pró-governo, era o partido dos Militares. Era o partido que no qual se aliavam aqueles políticos que apoiavam a Ditadura. Existia apenas para oficializar as vontades de todos os militares, apoiar o regime dos mesmos e preservar o conservadorismo radical. A ARENA foi rebatizada de Partido Democrático Social (PDS). Mais tarde, um grupo de políticos do PDS abandonou o partido e formou a “Frente liberal”, a qual, depois, tornou-se o Partido da Frente Liberal (PFL), atual DEM. O PDS, posteriormente, mudou o seu nome para Partido Progressista Renovador (PPR), e depois para Partido Progressista Brasileiro (PPB), que hoje se chama Partido Progressista (PP). O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) foi uma espécie de oposição permitida, um partido que existia para tentar mostrar ao povo que sua voz ainda era ouvida. Era um partido vigiado constantemente pelos Militares e se caracterizou por sua multiplicidade ideológica. Inicialmente teve um desempenho tímido, mas experimentou grande crescimento no governo de Ernesto Geisel, obrigando os militares a extinguirem o bipartidarismo em 1980. Com o fim do bipartidarismo, as inúmeras correntes que formavam o MDB fundaram legendas como o PMDB, o PT, o PDT e outras que vieram mais tarde durante os anos oitenta. Em 1988, uma cisão no PMDB deu origem ao PSDB, formado pela ala, então, social-democrata e os intelectuais do partido, ligados ao ex-governador paulista Franco Montoro. A ARENA elegeu todos os presidentes da República que se candidataram pela legenda – de Costa e Silva à João Figueiredo. A ARENA também conseguiu fazer a maioria das cadeiras na Câmara dos Deputados em todas as eleições que disputou: 1966, 1970, 1974 e 1978. Ou seja, enquanto o bipartidarismo existiu, a ARENA exerceu a soberania no país. Hoje, quando o multipartidarismo vigora, um só partido reina: o PMDB. E isso não é difícil perceber, mesmo que a presidência seja nominalmente do PT, quem comanda é o PMDB. De quatro importantes instâncias políticas da Federação, três são comandadas pelo partido: Vice Presidência, Senado e Congresso Federal. Numa analogia com a fase do bipartidarismo, aquele do período da ditadura, o Brasil hoje continua na mão de um único partido, no caso o PMDB. É curioso pensar que PMDB é este: o MDB ou a ARENA?

Desejar o que já tem

Quantas vez nos preocupamos em ter mais e mais e desprezamos o que já conquistamos?  Quando o assunto é pensar o que leva a espécie humana a agir para além da sobrevivência, concordo com Hobbes para quem o homem é movido pelo desejo. Spinoza também dizia que” o desejo é a essência do homem”. Segundo ele, “nós não desejamos as coisas porque elas nos dão prazer, mas elas nos dão prazer porque as desejamos”. Ou seja, o desejo é quem manda. Desejo daquilo que nos dá prazer em detrimento da dor, exceto o masoquista que deseja a dor, apesar de ser
ela que lhe dá prazer. Desejo que não tem fim, é sempre insaciável, querer mais e mais. Um movimento contínuo do desejo, de querer mais e mais, como define Hobbes e conceitua assim a própria felicidade. Até aí, aparentemente, nenhum problema. O desejo nos move, nos motiva, nos faz produzir e nos permite viver. O problema acontece quando o movimento contínuo assume um ritmo frenético, a tal ponto que não nos dá tempo suficiente para contemplar e viver a conquista. Gula, ganância? Certo que a tentação do consumo é quase inevitável. E como é bom comprar! Mas também é bom demais degustar, contemplar. Uma vida sempre melhor, quase todos nós queremos. Mas a vida que temos não será a melhor que podemos? Não estou aqui pregando a acomodação nem uma espécie de resignação conformista. Mas acho que podemos frear um pouco a cede de devorar tudo que se apresenta como bom, bonito e gostoso. Se não, vira desejo pelo desejo. As vezes, o presente já pode estar na instância do melhor que podemos. Restará então conservá-lo, o que implica vivê-lo intensamente. Para ter mais consciência do presente, é analisar o contexto em que vivemos é uma boa prática. Olhar a nossa volta, para perceber que a felicidade não é diretamente proporcional a nível social e quantidade de bens materiais. Muitos que pouco possuem, mais felicidade emanam ter. E o que dizer daqueles que tinham o que jamais pensariam perder? A tragédia de Santa Maria fez pais perderem filhos. Não há nada mais dramático e triste. O pior acontece e ninguém está salvo. Além de olhar ao redor, também é bom tentar se colocar no lugar de quem aparentemente teve menor sorte que a nossa. Se o contexto nos dá sinal verde, avancemos, se não, saibamos dar o verdadeiro valor ao que já conquistemos. De novo, não se trata de se resignar com tudo e com todos, diante da primeira falta e da primeira dificuldade, mas olhar pra dentro e pra fora, reservando tempo para viver o que se tem agora.  É desejar o que já se tem.

A passividade da sociedade

Há muito se fala de um povo brasileiro que é muito passivo. Mesmo diante de situações que afetam seu bem estar, que interferem na sua vida particular, demora para agir ou até mesmo não (re)age. Atualmente, não muito diferente do passado longínquo e recente, o país continua com muitas carências,  facilmente percebidas por aqueles mais conscientes de seus direitos de cidadãos, que possuem um senso crítico mais apurado. Áreas essenciais como saúde, educação, segurança e infra-estrutura se caracterizam pela precariedade. A sociedade, onde estão inclusas as elites, não toma uma atitude ativa. Não faz a cobrança contínua de seus governos, não pressiona seus representantes, não luta por seus direitos, junto aos órgãos da justiça. Até na hora do voto, volta a reeleger os que pouco ou quase nada fizeram. Neste caso, constatamos que falta melhorar o nível de politização, através da melhoria da qualidade da educação, mas pouco é feito  neste sentido. Nem mesmo diante da corrupção, que a cada dia se escancara nos meios de comunicação, a sociedade se sensibiliza e parte para uma atitude mais reativa. Manifestações de rua, unindo trabalhadores, profissionais liberais e empresários é praticamente uma ficção. Não que resolveriam os nossos problemas, mas se fossem estrategicamente planejadas e bem organizadas, com adesão de grande parte da sociedade, poderiam servir para iniciar um processo de sensibilização dos governantes mais comprometidos com a vontade popular. Acreditamos que ainda existam governantes “eticamente corretos”. Mas, enquanto a passividade histórica persiste, sem perspectiva de mudança, podemos pensar o que leva a tal inércia. Preguiça e acomodação, inerentes ao ser humano ou brasileiro em questão? Falta de lideranças com disponibilidade e coragem para liderarem mobilizações consistentes e persistentes? Medo de punições, ou melhor, retalhações à interesses que lhes são particulares? Cultura do individualismo? A preguiça, deixemos em segundo plano para eleger a falta de lideranças como causa principal. E, talvez, o motivo da omissão dos líderes seja o medo de perderem algum benefício particular atua ou futuro. Agora, como evoluir em direção ao ideal: “cada um por todos e todos por um”, se a maioria foge de uma “incomodação”, quanto mais pelo outro? Aí, nos resta ouvir os próprios líderes. Onde eles estarão?