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Dez dicas para meus filhos

Há um desejo que iguala a humanidade, o desejo da felicidade. Para aqueles que são pais a felicidade dos filhos é a grande prioridade. Mas fazê-los felizes vai um pouco além do poder dos pais. A partir da minha experiência de pai e filho, resolvi escrever dez dicas aos meus amados filhos, não como garantia de uma vida feliz, mas por achar que estas dicas podem fazê-los autores das suas próprias vidas: 

  1. Conhecer-se: Reservar tempo para conhecer a si mesmo. Conhecer as virtudes e os desejos, e também as fraquezas e os medos. Desvendar os próprios mistérios e admitir o que muitas vezes escondemos de nós mesmos.
  2. Conhecer o outro: Escutar o outro na tentativa de descobrir o que ele tem de bom e de mau já que “toda moeda tem dois lados”. Se for do mal ignorá-lo e tome cuidado, afinal, “o homem é o lobo do homem”.
  3. Cuidar-se: Ser prudente com a saúde do corpo, da alma e do meio ambiente, e com os aspectos econômicos e financeiros, primeiro por uma questão de subsistência, depois por segurança e conforto. Não gastar mais do que recebe, “nem colocar todos os ovos na mesma cesta”.
  4. Superar: Admitir os fracassos, tolerar as frustrações, vencer os medos e aceitar as perdas com suas dores, lembrando que tudo flui e tudo tem seu contrário, assim como o prazer é efêmero a dor tem seus dias contados.
  5. Decidir: Fazer escolhas com a consciência de que nem tudo que queremos podemos e devemos, o que implica em também saber se resignar e aprender com aquelas  escolhas que sabidamente não foram as melhores.
  6. Acreditar: Confiar em si, em suas potencialidades, e também confiar em alguns outros, especialmente quem vos ama, sem deixar de ser prudente. Confiar principalmente no tempo o que significa ter paciência.
  7. Planejar: Pensar no amanhã, nos deveres e nos desejos. Definir onde quer chegar, quando e de que forma, lembrando que tudo tem seu custo, mas saber o que se quer já é “meio caminho andado”. Viver intensamente hoje sem negligenciar o amanhã. Planejar aumenta as chances de acertar o alvo.
  8. Produzir: Criar, investir e fazer algo que dê prazer e reconhecimento e, para isso, não precisa ser necessariamente um artista renomado. Uma obra de arte pode ser o próprio trabalho.
  9. Relaxar: Ter a audácia de ignorar a pressão do tempo, para fazer justamente o que não pode fazer por ausência do tempo, incluindo ler poesia e filosofia, escutar boa música e ver filme de qualidade, aqueles que se ainda não são clássicos um dia serão.
  10. Amar: Gostar de si com a maior das intensidades para então amar os amados, os amigos e a cidade. É difícil falar de amor, mas é possível vivê-lo. Felizes os que conseguem e eu tenho este privilégio. Aqui uma confissão: o maior dos meus amores são vocês, minha família!

Bendita sexta-feira

É incrível como há um dia na semana em que o humor das pessoas muda substancialmente. Em alguns viventes a mudança chega ser da água pro vinho. No trabalho podemos pedir o que quer que seja àquele colega mais resistente e mau humorado que sua receptividade será bem diferente e, provavelmente, responderá positivamente ao que a ele foi solicitado. Este dia é sexta-feira e todos sabem os motivos da veneração. Sexta-feira é véspera do final de semana o que significa trocar o compromisso do trabalho pelo compromisso com o lazer e convivência da família. O compromisso não é o problema, o problema é o seu objeto. Nos dias da semana (segunda à sexta) o compromisso, em larga medida, é com os deveres do trabalho e nos dois dias do fim de semana (sábado e domingo) o compromisso é satisfazer nossos desejos. O dever está para a dor, assim como o desejo está para o prazer, e é natural (ou cultural) dos seres humanos privilegiarem o prazer em detrimento da dor. O que poderíamos fazer, então, para mais dias da semana se parecerem com a sexta-feira, afinal, dois dias de sonhos para cinco de pesadelos não seria injusto? Não só é injusto como é uma violência para com a nossa natureza humana, já que somos seres que tendemos mais ao prazer do que a dor, apesar que nem toda o dever é doloroso. A receita é simples de ser dada, mas nem tão simples de ser aplicada: é fazer do trabalho um compromisso desejado. E falo do trabalho porque ele ocupa a grande carga horária dos nossos dias úteis. É engraçado, dia em que a maioria trabalha é chamado de útil, o que faz pensar que é o trabalho que determina se os dias são ou não úteis e até se levamos uma vida útil ou inútil. Quem trabalha é útil quem não trabalha é inútil. Sem entrar no mérito da utilidade, o que importa é desfazer um pouco esta grande disparidade entre o final de semana e os dias ditos úteis. Que a vibração de sexta seja um sinal de que faltando prazer no trabalho.
Marcos Kayser
Filósofo

A militância interesseira

Aquele que empunha a bandeira de seu candidato a um cargo público estará fazendo por ideologia ou meramente interesse privado e profissional? “Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder. Ideologia! Eu quero uma pra viver. Ideologia! Pra viver…”, diz a letra de Cazuza, lá nos anos 80, quando já se deparava pela falta dela e, ao mesmo tempo, via na ideologia um motivo pra viver. Um conjunto de idéias que vem antes de qualquer coisa para mostrar a verdade que se quer chegar. Uma verdade para todos com a pretensão de ser o mais universal possível, portanto, longe de ser particular. Isso se chama de ideologia. Na política, antes do interesse particular, vem o interesse público. Antes do meu interesse, do interesse de obter benefícios pessoais, ganhar ou manter o trabalho, por exemplo, vem o interesse da sociedade, da cidade, do Estado, do país. Acima do candidato deveria vir o partido com sua respectiva ideologia que representa suas idéias. Entretanto, não é o que ocorre, comprovando que os partidos políticos, nos quais os candidatos estão vinculados, na sua essência não possuem ideologia. “O amor é a única lei” é uma idéia cristã, contra a idéia pagã da “lei do olho por olho e dente por dente”. Saberemos distinguir a ideologia do PMDB para o PP? E trago estes dois que no passado eram MDB e ARENA para lembrar aos mais antigos que lá atrás existia uma diferenciação entre suas idéias, portanto, existiam idéias que lhes eram próprias. Hoje não há mais idéias que podem diferenciar este daquele e na uniformização das idéias não há diferença. Então, ter este ou aquele no poder, não muda nada, ao menos em termos substanciais e estruturais. Em termos nacionais, por exemplo, dificilmente haverá um presidente que feche o Senado Federal por inutilidade, mesmo tendo a vontade popular ao seu lado. Os interesses sufocam as idéias. O mesmo permanece, independentemente do partido que assumir o poder. Para nós povo eleitor, na ausência da ideologia o que pode fazer a diferença é a pessoa do candidato e, por isso, votamos nele e não no partido que ele representa. Assim, por mais cruel que seja, nos resta dizer que aquele que empunha a bandeira em causa própria, e assume uma militância interesseira, não tem outro motivo a fazer.  Enquanto os partidos não tiverem suas próprias idéias e a partir delas definirem seus planos de governo, empunhar a bandeira do candidato continuará representando um ato muito mais profissional.

Terceiro ano do ensino médio, para quê?

Nos Estados Unidos, ao invés de cada universidade promover um vestibular, elas geralmente solicitam o resultado de dois testes: o Scholastic Aptitude Test (SAT) e o American College Testing (ACT). O SAT é um exame mais analítico, interpretação de texto, gramática, redação e matemática. Já o ACT é mais voltado para checar o aprendizado ao longo dos anos de escola. As questões avaliam o conhecimento do aluno em inglês, matemática, ciências, interpretação de texto e redação. Há universidades que, além dos resultados do SAT e do ACT, avaliam o histórico dos candidatos. Como dizem: “procuram avaliar o todo do aluno”. Avaliam se o estudante trabalha ou não, se precisou, por exemplo, cuidar de irmãos mais novos, se seus pais cursaram faculdade. No formulário de inscrição para a graduação, há perguntas que indagam sobre a vida do candidato fora da escola. Os avaliadores querem saber quais são os hobbies do candidato, suas atividades extracurriculares, se já trabalhou como voluntário em algum lugar. Aqui no Brasil, apesar de algumas novidades, como o Enem, mantemos o velho modelo em sua essência, prova que engloba todas as disciplinas, sendo que para ser aprovado na universidade público é necessário fazer um cursinho particular. É incompreensível que o Brasil, campeão de clonar modelos americanos, feche os olhos para o processo de ingresso à Universidade que é feito nos EUA e em outros países. Um fato que ilustra a ineficácia do modelo brasileiro é a aprovação no vestibular de adolescentes de 15 anos, que ainda estão na metade do segundo ano do ensino médio. Considerando que boa parte dos estudantes estão na escola em virtude do vestibular e a própria escola diz preparar para o vestibular, estes jovens que são aprovados antes de concluírem o ensino médio, na prática não necessitariam mais cursar o terceiro ano. Isso acontece não porque o ensino médio está adiantado mas sim porque a grande maioria dos estudantes estão num mesmo nível e pouca diferença há entre os que já concluíram e aqueles que não concluíram o ensino médio. Ou seja, é mais um fato que indica que há algo errado com a educação brasileira.  Justamente ela, o maior motor para o desenvolvimento de um país. Chego a ter pena desta gurizada! Qual é o sentido que elas encontram para ir à escola? E depois combram dela mais engajamento e vontade. É justo? Estão esperando por quem? Pelo governo? Acredito que o problema da educação precisa ser resolvido pelos educadores e pela sociedade. Será falta de coragem e vontade, ou faltará criatividade? Talvez, diante do cenário, abolir o terceiro ano do ensino médio seria uma ato de coerência, por mais estranho e absurdo que pareça.

A onda zen

Nós ocidentais vivemos numa onda zen. Todos querem ser zen. Afinal, para nós ocidentais, zen se resume em estado de tranquilidade e felicidade. A partir de algumas leituras da doutrina budista e da prática de alguns exercícios de meditação os falsos budistas se dizem zen. E será que nós ocidentais, impregnados pelo sentimento do apego e pelo desejo de consumo, podemos incorporar os fundamentos do Zen? Para o Zen, experimentar a realidade diretamente é experimentar o nirvana e para isso é preciso desapegar-se de desejos, pessoas, conceitos e discursos. E, para desapegar-se disso, é preciso meditar. E meditar bastará? Na maioria das escolas, os monges rotineiramente meditam entre quatro e seis períodos de 30-40 minutos todos os dias. Conseguiremos tempo para tal? E o restante do tempo que não estaremos meditando e voltamos ao contato com a cultura do consumo, conseguiremos nos manter desapegados? Junto da onda zen instalada no ocidente, tem o perigo de interpretar mal a prática e as técnicas de conscientização budistas. No oriente, o desapego não é exceção é regra, enquanto aqui temos o oposto, inclusive temos dificuldades como é possível amar sem se apegar. A postura de isolamento pode muito bem ser confundida com alienação. Numa compreensão distorcida o budista ocidental pode se instalar numa espécie de casulo mental em que sobre  omundo, com seus dramas e conflitos, não tem uma responsabilidade coletiva, já que o olhar está somente sobre cada um de nós. Pela prática da “aceitação”, simplesmente nos tornamos confortáveis com o status do mundo. O filósofo Nietzsche em sua obra O Anticristo, cita que “na doutrina de Buda, o egoísmo se torna um dever: o “uma só coisa é necessária”, “como te livrar a ti mesmo do sofrimento”, regula e delimita todo o regime espiritual…”.Não significa que o outro está excluído, mas que há primeiro um compromisso comigo mesmo que numa leitura apressada pode levar a pensar que eu me basto e o outro que se resolva. Assim não será difícil distorcer o que seja o budismo. E como pregam os legítimos budistas: Buda não é auto-ajuda. Buda ficaria felicíssimo se nós ocidentais antes de nos acomodarmos no templo para meditar nos reuníssimos nas praças para protestar.

Marcos Kayser

Montaigne: filosofar é aprender a viver

O oposto da vida, a morte, é um tema que os filósofos jamais se cansam. Cícero resumiu que filosofar é aprender a morrer. Significava que pensar frequentemente na morte faria com que não seríamos pego de surpresa por ela. Montaigne pensou exatamente o contrário. Quanto mais pensava na morte, mais se angustiava com ela e não se mostrava capaz de suportá-la, diferentemente dos camponeses de sua época,  século XVI, que apesar de não terem o conhecimento dos filósofos, só pensavam na morte quando estavam morrendo e a natureza cuidava deles.  Montaigne precisou passar por uma experiência de quase morte, quando sofreu um acidente e sua vida ficou pendurada “na ponta dos lábios”, como ele diz, para despreocupar-se com o morrer. A lição filosófica que não foi tirada da habitual introspecção intelectual do filósofo,  mas de um acontecimento factual do homem Montaigne, foi assim resumida por ele: “Se você não souber como morrer, não se preocupe; a Natureza lhe dirá na hora o que fazer, completa e adequadamente. Ela executará perfeitamente este trabalho para você; não ocupe sua cabeça com isto.” Não se preocupar com a morte passou a ser a resposta de Montaigne à pergunta sobre como viver, pois ao morrer não encontraremos a morte pois já nos fomos antes que ela chegue. Morremos na mesma forma que adormecemos. Constatação simples, quase óbvia, porém, nem sempre compreendida e aceita. Pensando assim, não só a fé consola, mas a razão também. Claro que a fé não só consola, como pode propor algo maior do que uma resignação, mas contemplar o desejo de uma vida além. Mas para viver esta vida bem, Montaigne ensina a controlar as emoções e prestar atenção. Controlar as emoções é manter o prumo, sem exultar quando as coisas que vão bem nem se desesperar quando vão mal. Prestar atenção é dar foco no presente, refletir como se sente, fazer o que gosta, não ter culpas e arrependimentos. Fazer do instante presente a própria eternidade. Como diz o escritor e pensador alemão Goethe: “Toda pessoa deveria diariamente escutar um pouco de música delicada, ler um trecho de boa poesia e ver um quadro de bela feitura. Dessa maneira, as preocupações da vida cotidiana não aniquilariam a capacidade que Deus pôs na alma humana de perceber a beleza.”

Paixão: sentimento meio sem razão

Será possível conceituar a paixão? Na filosofia houveram tentativas, apesar de seu instrumento, a razão, não ser muito apropriado. Condillac definia a paixão como “um desejo que não permite ter outros, ou que, pelo menos, é o mais dominante”. A paixão é a inclinação que impede a razão de compará-la com as outras inclinações e assim de fazer uma escolha entre elas. Por isso, a paixão exclui o domínio de si mesmo e, de certa forma, escapa da razão. Kant, outro filósofo, ressalta o poder que a paixão tem de dominar toda a conduta humana e ressalta o perigo que a paixão representa para a escolha racional e aliberdade moral. Mas haverá vida sem paixão? É bom lembrar que nos grandes feitos da humanidade, raramente não se viu a paixão. Descartes define a paixão como “as percepções ou sensações ou excitações da alma… que são causadas, mantidas e amplificadas por alguns movimentos dos espíritos.” Os espíritos para Descartes são os “espíritos animais” centrais à noção de fisiologia de Descartes (não estamos falando de espiritismo). Descartes explica que os espíritos animais são produzidos pelo sangue e são responsáveis por estimular os movimentos do corpo.  Na época de Descartes não se tinha o conhecimento fisiológico que se tem hoje e explicações como esta eram aceitas. Descartes fazia uma distinção entre mente e corpo e a paixão era um movimento do corpo e não da mente. Hoje, mente e corpo formam uma unidade e as paixões são produtos desta união. As paixões, enquanto são sentidas, parecem ser inquestionáveis, mas podemos estar enganados de que as sentimos, enquanto as estamos sentindo. Só saberemos depois. Agora, deveremos então evitar as paixões? E teremos o poder de impedí-las ou limitá-las? O filósofo Rochefoulcauld diz que “se resistimos às nossas paixões, é mais pela fraqueza delas do que pela nossa força”, ou seja, é bem provável que não seja paixão.  Paradoxalmente, a paixão é tão inteligente que ela própria impede que nossa inteligência possa interferir na sua condução. Quem conduz é a paixão, com todos os riscos deste sentimento meio sem razão. Mas ela normalmente tem prazo de validade. É quando a razão é convidada a entrar e saberemos então se de fato foi paixão. Mesmo que a paixão não se transforme em amor, que seria o ideal, podemos pensar que aquele que viveu a paixão ganhou a experiência de viver o que a vida de mais intenso pode oferecer: uma paixão.  Como prova do grau de dificuldade em explicar a paixão, o filósofo Voltaire, usando uma metáfora, tenta conceituar o inconceituável: “As paixões são como as ventanias que incham as velas do navio. Algumas vezes o afundam, mas sem elas não se pode navegar.”

Escrever: árdua tarefa

Fico encabulado quando ouvintes e leitores comentam seu gosto por alguns escritos e comentários que faço. Procuro me empenhar para escrever o melhor, mas estou longe daqueles que detém o dom e são verdadeiros artistas no trabalho com as palavras. Quando tenho a sorte de estar iluminado, consigo produzir um artigo razoável,  o que até me aproxima de um cronista, mas esta inspiração é uma raridade.  Penso que escrever é uma árdua tarefa e, em se tratando de crônica, é preciso fundir uma visão lúcida da realizada com uma certa dose de provocação e ironia. Considero essencial provocar a reflexão e não se limitar a reproduzir os fatos com comentários vagos. Escrever assim é um convite ao filosofar e aí surge outra dificuldade: tudo parece já ter sido dito. Tenho a impressão que os filósofos gregos tiveram todos os insites necessários para construir a base do pensamento ocidental e relataram através de suas filosofias. Mesmo que muitos não reconhecem, até religiões como o cristianismo e o espiritismo “bebem água” na fonte grega. Assim sendo, sou um mero repetidor. O que ainda me estimula e, em parte, me justifica escrever, é a crença de que o cenário onde as idéias se encontram está em contínua mudança. Conceitos como o da verdade, por exemplo, podem ser repensados quando estamos diante de novos contextos, inclusive o da ciência que a cada dia revoluciona. Espaços virtuais como Facebook e Twitter  são contextos novos que sobre o quais os velhos conceitos ainda valem mas precisam ter suas formas de vida reavaliadas. Como pensar a ética da comunicação se na Grécia antiga a Internet não era se quer imaginada? Um outro estímulo para o trabalho que tenho de escrever, é sentir que alguns ouvintes e leitores encontram sentido no que escrevo. Este é o maior estímulo e com ele vem o compromisso com a escrita responsável, aquela que tenha coerência contextual e um mínimo de originalidade, por mais difícil que seja. Aproveito para pedir aos leitores e ouvintes que encontrem uma forma de me avisar quando eu estiver tratando de assuntos pouco interessantes ou ainda estiver fazendo mal uso das palavras. E acima de tudo agradeço o alto grau de tolerância para com este esforçado blogueiro e comentarista.

Marcos Kayser

O Mestre

Diz o Wikipedia, e agora não é mais o Aurélio, que mestre é um indivíduo que adquiriu um conhecimento especializado sobre uma determinada área do conhecimento. Com sua grande especialização no assunto, é capaz de dar aulas a pupilos. Habitualmente é usado como título acadêmico para aquele que defendeu um mestrado. O mesmo termo de mestre pode ser usado nas artes marcias.  Contrariando parte desta definição, há quem seja mestre sem ter mestrado. Há também quem seja mestre em múltiplas especialidades. E há ainda quem seja mestre sem necessitar da legitimidade de uma Academia. Eu e muita gente conhecemos  um mestre assim, com enormes habilidades intelectuais e marciais no enfrentamento das agruras da vida. Um mestre tão mestre que seu nome é mestre. Não só os ex-alunos lastimam a perda deste mestre, mas a humanidade que perdeu um mestre de ensinar a ser. Pensemos em grandes virtudes: humildade, generosidade, prudência, coragem, … Imaginemos um ser humano, reunindo tudo isso. A síntese de uma dialética entre rigidez e flexibilidade. Este é o mestre Bauer. E digo no presente porque jamais deixará de ser. Seus ensinamentos estão contindos na alma de muitos e continuarão sendo ensinados, por isso, não serão passado. E quem não tem histórias pra contar do mestre? Eu não só tenho histórias como eu tenho uma história com ele (dona Helena, Marco, Silvia e Fernando sabem disso). Na festa de aniversário da minha mãe, para quem ele era o amigo Harald, fiz uma declaração de amor na presença de todos. Falei a ele, como tantos já fizeram, que ele o meu maior pai. Apesar de se esquivar da exposição, mas ali ele “estava em casa”, me deu um forte e prolongado abraço e no pé do ouvido me contou: “tu sabe que eu sinto o mesmo por ti, né?” O mestre é daquelas pessoas que não deveriam morrer. Ele justifica minha indignação existencial para com a morte. Deveria ser imortal de corpo e alma. Os que creem já projetam ele  dando aulas no céu. Acho que a terra precisa muito mais dele do que o céu. Sim, mestre Bauer se eterniza nos seus ensinamentos e na sua obra, mas como humano, reconhecidamente egoísta que sou, vou sentir a falta da conversa, dos segredos, do tradicional aperto de mão, do sorriso quando ganhava uma sucata eletrônica. E talvez o mais incrível: o mestre era humano como nós! Nunca vi tanto irmão chorar ao mesmo tempo! Mestre Bauer, muito obrigado!!!
Marcos Kayser
08/05/2012

O encontro meu comigo mesmo

Imaginemos um momento raro, estamos sós e sem o que fazer.  O que sentiremos diante de nós mesmos? Tédio, prazer, medo, desejo? Por mais estranho que pareça, é na ausência do outro que pode haver um grande encontro.  O encontro meu comigo mesmo. Solipsismo, narcisismo, egocentrismo? Pode ser, pode não ser, mas, independente do que for, é um estado em que nossa estima e tolerância podem ser testadas. Sem falar na criatividade. Num mundo agitado, com um cardápio variado de opções de lazer, reais e virtuais, reservar um tempo para estar só é tido como um sintoma patológico.  Rilke diz que “a grande solidão é ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é aí que é preciso chegar.” Talvez para Rilke a solidão é um nada que dura horas que deveríamos suportar para depois destas horas haver o encontro do eu consigo mesmo. E se nada encontrar? Bem, neste caso, ainda há uma saída: fugir de dentro de si e ir ao encontro de um grande amigo.  Se não conseguimos nos encontrar com nós mesmos, um amigo poderá nos reconciliar. Diante de tantos afazeres que temos, com o foco ao que está do lado de fora, alguns encontram dificuldade para a introspecção e colocam na falta de tempo o motivo da impossibilidade da incursão valiosa pelas profundezas do nosso interior. Numa primeira impressão, ficar sozinho remete a melancolia, tristeza e até depressão. A ordem dos dias atuais determina que estejamos envolvidos com inúmeros compromissos, tarefas e festas. Os momentos de convivência com quem compartilhamos afeto são muito prazerosos e indispensáveis, mas não dispensa ficar também sozinho. Quando sós, somos mais verdadeiros e corremos menos risco de perder a própria identidade. E se isso acontecer, perde eu e perde a humanidade que estará com um a menos na sua pluralidade.

Marcos Kayser