Paulo Santana, estimado colunista gaúcho, nos brindou com um excelente artigo publicado na Zero Hora do dia 29/05/2005, quando escreveu sobre a entrevista concedida pelo filósofo francês Michel Onfray à revista Veja. Nessa entrevista Onfray, que é ateu, critica duramente a idéia de Deus vendida pelas religiões. Segundo Onfray, por trás do discurso pacifista e amoroso, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo pregam na verdade a destruição de tudo o que represente liberdade e prazer. Essas religiões, afirma o filósofo, exaltam a submissão, a castidade, a fé cega e conformista em nome de um paraíso fictício depois da morte. O encanto e a magia da religião desaparecem quando se vêem as engrenagens, a mecânica e as razões materiais por trás das crenças. As religiões, que dizem querer promover a paz, o amor ao próximo, a fraternidade, a amizade entre os povos e as nações, produzem na maior parte do tempo o contrário. Segundo Onfray, só o homem ateu pode ser livre, porque Deus é incompatível com a liberdade humana. Deus pressupõe a existência de uma providência divina, o que nega a possibilidade de escolher o próprio destino e inventar a própria existência. Se Deus existe, não somos livres; por outro lado, se Deus não existe, podemos nos libertar. A liberdade nunca é dada. Ela é construída no dia-a-dia. Onfray chega a citar exemplos de contradições encontradas nos livros sagrados. Nos Evangelhos, por exemplo, lê-se em Mateus (10:34) a seguinte frase de Jesus: “Não vim trazer a paz, e sim a espada”. O mesmo evangelista afirma a todo instante que Jesus traz a doçura, o perdão e a paz. Para Onfray é possível acreditar em Deus e viver sem religião, mas não há religião que viva sem Deus. Deus e a religião são invenções humanas, assim como a filosofia, a arte ou a metafísica, todas criações que tentam afastar a angústia da morte. Como alternativa na proposição de valores morais e éticos, Onfray indica a filosofia que possibilita a apreensão do que é o mundo, do que pode ser a moral, a justiça, a regra do jogo para uma existência feliz entre os homens, sem que seja preciso recorrer a Deus, ao divino, ao sagrado, ao céu, às religiões. É preciso passar da era teológica à era da filosofia de massa. Inclusive Onfray criou o que na Europa chamam de Universidade Popular, espaço onde pessoas, de todas as origens, sem distinção de classe, religião, sexo, idade, formação, poder aquisitivo ou nível intelectual, se reúnem sob a orientação de um filósofo para discutir os mais diversos conceitos e questões. Voltando ao Paulo Santana, este discorda de Onfray por considerar a religião mais eficaz do que a filosofia no sentido de promover a felicidade. É uma pena que Paulo Santana nada comenta sobre a atitude de algumas religiões ou seitas que se fundamentam apenas na mecânica da pena e da promessa e, de fato, provocam nas pessoas uma alienação e acomodação preocupante. Sem muito pretensão, desacordo do Santana quando ele afirma que a fé principia quando a razão termina. Acho que ambas se co-implicam. Não dá para separá-las ao modo cartesiano. Precisam andar juntas. Fé sem razão gera cegueira e razão sem fé gera escuridão.