Imaginemos um momento raro, estamos sós e sem o que fazer. O que sentiremos diante de nós mesmos? Tédio, prazer, medo, desejo? Por mais estranho que pareça, é na ausência do outro que pode haver um grande encontro. O encontro meu comigo mesmo. Solipsismo, narcisismo, egocentrismo? Pode ser, pode não ser, mas, independente do que for, é um estado em que nossa estima e tolerância podem ser testadas. Sem falar na criatividade. Num mundo agitado, com um cardápio variado de opções de lazer, reais e virtuais, reservar um tempo para estar só é tido como um sintoma patológico. Rilke diz que “a grande solidão é ir dentro de si e não encontrar ninguém durante horas, é aí que é preciso chegar.” Talvez para Rilke a solidão é um nada que dura horas que deveríamos suportar para depois destas horas haver o encontro do eu consigo mesmo. E se nada encontrar? Bem, neste caso, ainda há uma saída: fugir de dentro de si e ir ao encontro de um grande amigo. Se não conseguimos nos encontrar com nós mesmos, um amigo poderá nos reconciliar. Diante de tantos afazeres que temos, com o foco ao que está do lado de fora, alguns encontram dificuldade para a introspecção e colocam na falta de tempo o motivo da impossibilidade da incursão valiosa pelas profundezas do nosso interior. Numa primeira impressão, ficar sozinho remete a melancolia, tristeza e até depressão. A ordem dos dias atuais determina que estejamos envolvidos com inúmeros compromissos, tarefas e festas. Os momentos de convivência com quem compartilhamos afeto são muito prazerosos e indispensáveis, mas não dispensa ficar também sozinho. Quando sós, somos mais verdadeiros e corremos menos risco de perder a própria identidade. E se isso acontecer, perde eu e perde a humanidade que estará com um a menos na sua pluralidade.
Marcos Kayser