UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
MESTRADO DE FILOSOFIA
SISTEMAS ÉTICOS – PROF. MÁRCIA TIBURI
O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO
MARCOS KAYSER
São Leopoldo, dezembro de 2005.
O MUNDO COMO VONTADE E REPRESENTAÇÃO
1. Breve síntese do mundo como vontade e representação:
Na obra “Mundo Como Vontade e Representação”, Schopenhauer mostra sua metafísica na qual o espaço e o tempo é governado pelo princípio de razão suficiente; a Vontade é apresentada como a coisa-em si ; e o corpo é o objeto imediato da vontade. Podemos situar Schopenhauer entre o idealismo e o materialismo, no qual o real constitui a representação do mundo externo.
O Mundo como representação se divide em duas metades inseparáveis; o sujeito e o objeto. Nenhum dos dois pode existir nem mesmo pensar-se em si, isto é, independente um do outro. Ser sujeito é formar e ter representações; ser objeto é ser conteúdo de uma representação. Um erro básico para Schopenhauer, portanto, seria aplicar a causalidade a esse eixo sujeito/objeto. A causalidade, como todas as relações e determinações que podemos pensar, vale unicamente para aquilo que foi pensado e, na base de todas essas relações se compreende as formas comum desse “ser objeto.” As formas próprias são como em Kant as formas do espaço e tempo. No pensamento de Schopenhauer, todas as demais funções do pensar são substituídas em favor da causalidade. Schopenhauer desenvolve a distinção kantiana entre o númeno e o fenômeno, mas, por outro lado, situa-se numa posição diferenciada em termos de perspectiva. Em Kant, o fenômeno é a única realidade cognoscível para o sujeito e o númeno (realidade transcendente), é o limite do conhecimento humano. Com o interesse em desenvolver e integrar o pensamento de Kant, Schopenhauer acaba por se distanciar dele. Para Schopenhauer, o fenômeno é pura representação, ilusão (o “véu de Maya”deque fala a filosodia indiana e budista). Por outro lado, tanto para Schopenhauer como para Kant o mundo que conhecemos é o mundo dos fenômenos. O nosso conhecimento é a nossa representação do mundo, pois o objeto conhecido é o objeto como o sujeito apresenta-o a si através de formas subjetivas.
A intuição para Schopenhauer é tida aqui como a fonte única de toda experiência e por conseqüência fonte também de todo o conhecimento. É um erro querer encontrar nos conceitos ou em uma ciência feita de conceitos, algo mais que a expressão abstrata onde encerram nossas intuições, além disso, os filósofos que precederam a Schopenhauer, especialmente Kant, estavam errados querendo alcançar por meio de uma “pretensa intuição intelectual” o conhecimento conceitual que nos conduziria para além do conteúdo da experiência. O caminho que leva ao conhecimento da coisa-em-si não pode se dar por meio da representação. Sob este ponto de vista, dado que o espaço, tempo e causalidade não são mais que formas da nossa representação, elas não podem conter em si a essência do real; esta deve estar fora dessas formas.
Posto que toda multiplicidade só pode ser pensada no tempo e no espaço, a multiplicidade não será senão uma peculiaridade do mundo da experiênica, e o ente real haverá de constituir uma unidade sem diferenças, livre de toda multiplicidade. Sem o espaço e o tempo não se dá nenhuma existência individual; eles são como diriam os escolásticos o principium individuationis. A utilização deste princípio não pode ser confundida, contudo, com uma conclusão epistemológica, mas sim, Metafísica e Ontológica do pensamento de Schopenhauer.
Dentro da experiência possível, observa-se também um grupo de fatos que nos abrem um caminho totalmente singular para o conhecimento da coisa-em–si . O sujeito com sua capacidade cognitiva se re-conhece não só como sujeito de suas representações mas, também, como sujeito do seu querer. A identidade de ambos os sujeitos resulta tão inexplicável como a identidade do mundo dos fenômenos em geral. De qualquer forma, isto é certo, a vontade, tal como se manifesta imediatamente em nossa consciência, está livre da forma da intuição a que chamamos de espaço e, embora ela esteja sujeita a forma temporal, ela está mais próxima da essência, da coisa-em-si, que qualquer outro fenômeno externo que se apresentam à nossa consciência. A vontade é, portanto, entendida como a realidade que sustenta o mundo das representações. Dizer isso é o mesmo que dizer ser possível a explicação dos fatos da experiência externa dos objetos em analogia com nossa experiência interna que possui como conteúdo a vida volitiva.
A vontade está por toda parte. Ela é como que uma raiz, um princípio primeiro do mundo que move o agir humano. Em todos os fenômenos da natureza, da vida dos astros, ao instinto dos animais e mesmo no querer consciente dos homens lá a encontramos a manifestação dessa vontade. Não somos tão livres quanto pensamos, pois, tudo o que acontece, acontece segundo a necessidade. O corpo objetiva a vontade enquanto impulso, infinito, uno e irracional e independe de qualquer individuação. Todo ato real da vontade do sujeito é o movimento de seu corpo o corpo é apenas a vontade tornada visível, é a própria vontade enquanto objeto da intuição. Assim, toda impressão exercida sobre o corpo afeta imediatamente a vontade, onde aparece, então, o prazer e a dor.
Schopenhauer teve suas idéias profundamente influenciadas pela tradição hindu dos Upanishads e pelo budismo. Schopenhauer foi o primeiro filósofo europeu que assumiu publicamente o ateísmo, entretanto, ele admirou no budismo e no próprio cristianismo seu lado ascético. Retirando-se os dogmas estas religiões tem como seu fundamento a abolição da vontade.
A filosofia de Schopenhauer reflete, em seu conteúdo, que na vida humana as dores superam os prazeres e a felicidade é inalcançável. A vida humana é má. O mundo, em sua totalidade é uma manifestação de força irracional como “vontade de vida”. Ele foi o primeiro europeu a falar do mundo como sofrimento, chamando o que nos cerca visivelmente de confusão, paixão, mal. “Todo querer se origina da necessidade, portanto, da carência, do sofrimento. A satisfação lhe põe um termo; mas para cada desejo satisfeito, dez permanecem irrealizados”(“O Mundo como Vontade e Representação” Livro III Parágrafo 38 Pág. 26). Os seres humanos são as criaturas ativas que se encontram compelidos a amar, odiar, desejar e rejeitar. Os homens possuem o conhecimento de que a natureza é irredutivelmente desse modo. Nem mesmo o suicídio limita a ação da vontade, pois ele é simplesmente uma afirmação da própria vontade. Do ponto de vista positivo é a própria dor que é a essência do mundo.
Em Schopenhauer, encontramos a idéia de que não há nenhum ‘local’ de escape da vontade na natureza, as expressões dela são vistas entorno de todo mundo. Assim os movimentos animais, o desabrochar de uma semente, a força invisível do imã, refletem aquele mesmo impulso fundamental que rege tudo e a todos. A única finalidade da vida é justamente escapar da vontade partindo do apaziguamento das paixões, evitando assim a percepção dos impulsos dolorosos que impedem o alcance do que os hindus chamam de Nirvana. As artes, especialmente a música, a mais elevada das artes, têm uma função importante neste aspecto. Elas podem fornecer um céu provisório no qual se verifica um aspecto da contemplação verdadeiramente positiva. No entanto, a única saída possível para o término do sofrimento está na extinção completa da vontade. De acordo com Schopenhauer, contudo, a vontade não se limita à uma ação voluntária de providência. Toda atividade experimentada pelo ser é incluída entre as funções fisiológicas inconscientes Esta vontade é a natureza interna de cada um que experimenta ser e pressupõe a aparência – no espaço e no tempo – do corpo. Partindo do princípio de que a vontade é uma natureza interna dos corpos como uma aparência no tempo e no espaço.
O mundo da percepção é um espetáculo de incessante mudança no qual se processa a revolução de implacáveis atividades, frutos da vontade.
Schopenhauer conclui que a realidade interna de todas as aparências materiais é a realidade final e universal de todas as coisas. A tragédia da vida surge da natureza da vontade, que incita constantemente o indivíduo para a satisfação dos seus objetivos irracionais. Assim, a vontade conduz inevitavelmente à dor, à tragédia e ao sofrimento num ciclo infinito de nascimento e morte, renascimento etc. Este ciclo de atividade da vontade só pode ser rompido finalmente numa atitude de renúncia em que a razão governa a vontade até o ponto de cessá-la.
Enquanto os filósofos das tradições anteriores à Schopenhauer buscavam em seus trabalhos render tributo à sabedoria divina, a um “arquiteto” criador de todas as coisas em sua maior perfeição , Schopenhauer observa o mundo em seu mistério e imperfeição generalizada. Ele chega mesmo a contrariar Leibniz entendendo que este é o pior dos mundos possíveis, e que este mundo não poderia ser mais mal sem cessar de existir. Apesar de Schopenhauer identificar a realidade fundamental do mundo como vontade, diz ele, nós nos aproximamos da contemplação. Contemplação esta que é tarefa das artes, as quais nos fornecem o relevo provisório para a libertação miserabilidade da existência.
2. Uma teoria do castigo em Schopenhauer:
Para Schopenhauer “a vida não admite nenhuma felicidade verdadeira”. A vida do indivíduo se resume a “esgotar uma série de grandes e pequenas infelicidades”, mesmo que cada um procure escondê-las. Aos otimistas que ignoram esta perspectiva trágica, Schopenhauer sugere levá-los aos hospitais, às prisões, entre outros palcos de dor e sofrimento explícitos. A vida se constituindo nessa absoluta tragédia, logo vem a pergunta se a decisão mais coerente não seria o suicídio. Schopenhauer responde que “o suicídio não desenlaça nada”. Só servirá para re-afirmar a supremacia da vontade. A morte é mais uma afirmação da vontade e o suicídio “é a própria imagem da nossa impotência” diante da vontade. Resta ao homem obedecer à pura natureza, continuar preservando sua própria conservação. E no caminho da auto-conservação e preservação da espécie “há necessariamente guerra eterna entre indivíduos de todas as espécies” e o egoísmo é o princípio de toda esta guerra, segundo Schopenhauer. A vontade apegada ao corpo de quem a armazena, faz com que cada indivíduo seja o centro de tudo, capaz de “aniquilar o mundo em proveito seu”. E desse princípio que Hobbes, reconhecido por Schopenhauer, soube extrair a idéia da guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes).
Ao mesmo tempo em que todos os indivíduos humanos abrigam uma índole violenta, eles “têm um dom comum, a razão.” Esta razão diferencia os homens dos animais, que estão “reduzidos a conhecer o fato isolado.” O egoísmo guiado pela razão descobre a necessidade do contrato, da lei, do Estado. Este último não com o fim último de eliminar a inclinação humana ao conflito, mas colocar certos limites que convençam o homem da necessidade da contenção. A possibilidade do castigo é o instrumento utilizado para o convencimento. A ameaça do castigo dá motivos mais fortes para o homem não atacar e reprimir sua inclinação agressiva. O cumprimento dos contratos e das leis não são motivadas por princípios morais, nem éticos, mas pela ameaça do castigo. A punição tem eficiência na contenção de uma falta ou na sua repetição, ou seja, para que a falta, a transgressão não volte a ser cometida. Desta forma o Estado não se contrapõe ao egoísmo. Muito pelo contrário, “esse egoísmo é a única razão de ser do Estado”. O que o Estado precisa evitar são as “consequências funestas do egoísmo”, que se voltariam contra o interesse dos próprios indivíduos. Hobbes, segundo Schopenhauer soube de forma exata identificar na realização do egoísmo a origem do Estado. Junto de Hobbes, Puffendorf, Feuerbach e Sêneca, são pensadores que defendem uma teoria do castigo como instrumento fundamental para policiar o homem. Schopenhauer também argumenta sobre a punição eterna. Ela não teria eficiência como meio de coerção, pois toda e qualquer punição demanda a idéia de tempo, para fixar os termos, decretar o castigo e colocá-lo em prática, sendo que a eternidade é um conceito atemporal, ou seja, fora do tempo. Então, uma eventual punição eterna não teria efeito algum.
Bibliografia:
Schopenhauer. Arthur, O Mundo como Vontade e Representação. São Paulo: Contraponto. 2001.