A (IM)POSSIBILIDADE DA FELICIDADE NO MUNDO DA DOR NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-FILOSÓFICA

A (IM)POSSIBILIDADE DA FELICIDADE NO MUNDO DA DOR

NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-FILOSÓFICA

“Para sermos felizes, até certo ponto é preciso que tenhamos sofrido até o mesmo ponto.”

(Edgar Allan Poe)

SUMÁRIO

1. A felicidade (ideal) na transcendência

1.1. A felicidade adiada – Platão

1.2. A felicidade endeusada – Agostinho

1.3. A felicidade recompensada – Kant

2. A felicidade (natural) na imanência

2.1. A felicidade moderada – Aristóteles

2.2. A felicidade preparada – Epicuro

2.3. A felicidade resignada – Sêneca

3. A felicidade (real) na carência

3.1. A felicidade negada – Schopenhauer

3.2. A felicidade afirmada – Nietzsche

3.3. A felicidade condenada  – Rosset

INTRODUÇÃO

Para alguns, quem sabe muitos, a felicidade não é um conceito verdadeiramente filosófico, pois pensam que não se constitui em critério ético. É um fenômeno apenas vivencial. Mas será que a filosofia não tem interesse pelo genuinamente humano? Parece que pensamos a realidade como se, enquanto sujeitos, fôssemos neutros e não pertencentes a essa mesma realidade. A felicidade está ligada a completude do ser humano, com a finalização do ser humano. Isto não quer dizer que está ligada essencialmente ao agradável, até porque a felicidade não é a ausência do sofrimento, mas algo que tem a ver com a realização plena, que pode coexistir com o sofrimento, que é tanto humano como a alegria e o prazer.  Se tirarmos o vivencial o que sobra para a filosofia?

A disputa entre felicidade e sofrimento já aparece nos mitos. Além da disputa, está a afirmação de uma vida necessariamente marcada pela infelicidade e pela dor, como podemos encontrar no castigo de Prometeu e no mito de Sísifo. A contradição existencial expressa pela busca da felicidade num mundo de sofrimentos, no qual a humanidade está condenada à desgraça, à morte, já é então mitológica e invade as fronteiras da filosofia sem perder o teor da disputa apesar de renovar as concepções (conceitos) da própria felicidade e da própria dor no decorrer histórico da filosofia. A questão primeira é a pergunta sobre o que é felicidade. A partir desta se sucedem as demais perguntas que fazem da Filosofia um poço sem fundo: Existe uma forma de felicidade única? É possível ser feliz? Como posso ser feliz se não posso satisfazer a todos os meus desejos, especialmente o desejo de sempre viver e de continuar desejando? Como posso ser feliz se ao desejar sofro por carência e por frustração? Como posso viver em sociedade conciliando desejos meus com desejos do outro?

Numa perspectiva histórico-filosófica vamos analisar estas questões em torno do grande tema, felicidade, juntamente das hipóteses pensadas para solucioná-las. Projetar um outro mundo, adequar-se ao mundo ou assumir de vez a impossibilidade?

1. A felicidade na trascendência

1.1. A felicidade adiada – Platão

Para os filósofos da Antiguidade a busca da felicidade tem uma relação estreita com a moralidade, constituindo-se no eudemonismo (do grego eudaimonía), tese segundo a qual o homem virtuoso tem acesso à única fonte de felicidade. Mas para Platão o que vem a ser felicidade?

Para Platão a felicidade é a finalidade do homem. A felicidade, pela conquista do bem, é o fim último do homem. No Filebo distingue Platão entre felicidade e prazer (Filebo 11 b). Referindo-se a felicidade à inteligência e o prazer aos sentidos. Desde logo, pois, refuta a tese cirenaica de que o prazer sensível é o único fim. Mas não exclui da felicidade os prazeres da sensibilidade; estes são honestos desde que subordinados harmonicamente.

Estabeleceu Platão uma divisão geral da virtudes (República 410), obedecendo a um princípio, em que a cada parte da alma corresponde uma virtude principal. Portanto, uma para a razão, outra para a vontade, outra para o impulso sensível, finalmente ainda uma outra para o controle das partes entre si. A prudência, denominada também sabedoria , é a virtude da parte racional. A fortaleza, dita também valentia é a virtude do entusiasmo (thymoiedés), ou seja dos impulsos volitivos e afetos, regrando o coração. A temperança, também chamada autodomínio, medida, moderação, é a virtude da vida impulsiva, instintiva, ou sensível, refreando os prazeres corporais. Uma quarta virtude, a da justiça, resulta da colaboração equitativa de todas as virtudes, garantindo o funcionamento harmonioso das partes da alma, ou seja de suas faculdades.
A virtude é descrita por Platão como um hábito que conduz, ao bem. Ocorre, entretanto, no mestre da Academia a secreta preocupação de que a virtude se obtém pelo saber (Ménon 96, Fédon 82, República em vários itens).

Aceito o ponto de vista socrático de que a virtude é saber, segue dali que os ditames da ética dependem da estabilidade ou instabilidade do conhecimento. A virtude habitual, dependente das opiniões da tradição relativas, seria superada por uma virtude apoiada em outro tipo de conhecimento, definitivo, absoluto. Ora, tal virtude existe como fato; logo existe também tal tipo de conhecimento.

O móvel ético de Platão é favorável ao conhecimento inteletivo. Admitida uma vez a relatividade dos sentidos, deve-se, de outra parte, aceitar a estabilidade da inteligência e que possibilita a ocorrência da virtude. A doutrina da virtude sofre de imediato a influência da doutrina das idéias reais, donde dividir-se em duas espécies: a virtude perfeita, referente a alma espiritual, e a virtude comum, baseada na opinião verdadeira. A virtude perfeita consiste na própria sabedoria, segundo o adágio socrático: a ciência é idêntica à virtude. Não deixa a vontade de seguir o que o a inteligência lhe mostra como bom.

Seguindo os mesmos passos do conhecimento inteletivo, a virtude se adquire andando pelos mesmos caminhos da dialética, para evitar a submissão da razão às paixões inferiores, e dialéticas do amor aspiração ardente pela contemplação das idéias. A virtude comum organiza-se no plano da opinião, portanto nas faculdades emotivas da alma inferior. Neste plano se encontra a maioria dos homens. Esta virtude comum não depende da ciência, mas da educação.

A recompensa ao homem virtuoso é parte do sistema moral de Platão. Neste e noutro mundo acontece o castigo para o mal. O significado desta sanção e o que a justifica é a necessidade de um castigo, para que se evite o mal, e de uma recompensa, para que haja um estímulo levando à prática do bem. Somente a sanção numa vida futura garantirá o triunfo total do bem. Não encontrou Platão dificuldade em estabelecer a sanção futura, visto que admitia a metempsicose e a progressiva possibilidade da purificação da alma. Poderia Platão ter invertido o alcance da sanção, como fez Kant, para em seu nome postular uma vida futura, na qual o bem seria recompensado e o mal punido (já que este não é punido suficientemente na vida presente).

A presença da sanção no sistema moral de Platão não ultrapassa uma visão antropomorfista retirada de situações humanas, de onde foi transportada para o plano geral da metafísica. O mal é um problema e deve ser evitado; o bem é um objeto e produz a felicidade. Mas, dali não segue ainda que o problema do mal se resolva pela sanção e nem se deduz que a felicidade sobrevenha como uma recompensa.

No diálogo Górgias, o personagem Cálicles, em seu diálogo com Sócrates,  concebe que a vida feliz é aquela vida considerada fácil, caracterizada pela intemperança e pela licenciosidade. Felicidade é para Cálicles sentir os maiores desejos e ter um prazer extremo em satisfazê-los. Felicidade se mede pela quantidade e não pela totalidade.

Já no diálogo Filebo, Sócrates refuta a tese segundo a qual a vida feliz seria unicamente composta de gozo, prazer e contentamento de todos os afetos, ou seja, onde apenas os prazeres físicos são considerados. Sócrates inclui os prazeres da virtude, apresentando uma compreensão racionalista em que o sujeito tem a capacidade de se separar da experiência imediata do prazer, para compará-lo aos sofrimentos futuros que poderiam vir a ocorrer. Temos então os bons prazeres, que são aqueles que contribuem para a felicidade do indivíduo, e os maus, que, embora parecendo favoráveis, produzem conseqüências desagradáveis. Sob o crivo da razão é possível calcular e medir as ações que venham a determinar a felicidade. A vida feliz é marcada pela medida e pela ordem. A eudaimonía é, portanto, uma atividade conduzida em conformidade com a razão e em concordância com a virtude.

Na vida prática, o filósofo-governante da República, que consegue contemplar a forma do sumo bem, quererá reproduzi-lo na cidade. A vida contemplativa é a mais feliz porque é uma atividade conforme à virtude, voltada ao conhecimento das realidades divinas. Na cidade da República, escravos e mulheres estão excluídos desta possibilidade.

Todavia, não nos esqueçamos que em Platão temos o que podemos chamar de dualismo antropológico, no qual o indivíduo é corpo e alma, e o corpo é o cárcere da alma, pois impede a alma de pensar a si própria e a toda a realidade. No mundo sensível, onde vivemos, os sentidos se constituem em obstáculos para a alma atingir o verdadeiro conhecimento, fato que só ocorrerá quando a alma separar-se das necessidades corpóreas, somente após a morte, na outra vida, no mundo inteligível, no mundo das Idéias. No diálogo Fedon, podemos concluir que a alma é imortal, segundo Platão, e, neste sentido, a felicidade é a libertação da alma. A felicidade, então, está adiada, aguardando a morte do corpo quando advém a imortalidade. A tarefa do filósofo, na sua busca pelo verdadeiro conhecimento, ultrapassando o domínio das aparências sensíveis, seria prepara-la para o regresso ao mundo das Idéias.

1.2. A felicidade endeusada – Agostinho

Agostinho, como bom cristão, tem a felicidade como um dom de Deus e o homem deve procurá-la através da purificação da alma. Para purificá-la o homem tem de reconhecer a condição miserável da humanidade após o pecado original, e tem de ter a humildade de reconhecer a felicidade como alheia a si. O homem tem de se tornar digno de receber a graça. A idéia da ascese da alma é uma idéia platônica, que influenciou Agostinho profundamente. O tema da superioridade da alma sobre o corpo, e de sua purificação durante a vida para que não seja punida após a morte, é explicitado no diálogo Fédon .

Para Agostinho, a semelhança do homem com o seu criador é a razão. Deus, conhecedor de todas as coisas, possui também a razão infinita. Porém a razão humana está corrompida, e distante da divina. O homem tem um “déficit moral”, e por isso não consegue cumprir plenamente a sua natureza de animal racional. Os desejos e as paixões impedem um bom uso da razão, e impedem uma vida contemplativa.

O problema do pecado original é fundamental no pensamento de Agostinho. Antes de comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, a alma encontrou sua perfeição no paraíso. Livre de dúvidas e incertezas, o homem apenas era no seio da natureza. Nada foi negado a Adão e Eva, e eles estavam integrados a toda criação, circulando livremente e de maneira abençoada. Mas a vontade é infinita, e ao homem foi dado o poder de escolher. Assim, seduzida pela serpente, Eva desobedece ao único mandamento até então existente, escolhendo o mal e se afasta do Bem Supremo . A partir de então tem o homem a necessidade da purificação da alma.

A liberdade, para Agostinho, vem a ser a capacidade consciente e reflexa que tem o espírito de determinar por si e espontaneamente, a querer e preferir acima de tudo o Bem absoluto e perfeito, do modo que este se apresente, e nunca preferindo nada contrário. Deus, do alto, abarca a todos aqueles que o invocam com um olhar e pode iluminar alguns com sua graça. Muitos são chamados, mas poucos escolhidos.

Esta é a causa dos pecados da humanidade, o livre-arbítrio. Pela perversão da vontade o homem escolhe a privação do ser. Esta situação só encontra redenção em Jesus Cristo, o mediador entre Deus e os homens. O cristão tem de aceitar pela fé o mistério da Trindade, na qual Jesus Cristo é o verbo encarnado, vindo ao mundo como homem, para redimir a humanidade. É preciso pois que o homem tenha fé e acredite em algo além de si e do mundo sensorial, em algo invisível. Precisa ter a humildade de admitir seu “déficit moral”.

A purificação da alma para receber a revelação é feita de várias formas. Agostinho defende ardorosamente um ascetismo, chegando a condenar o casamento e a procriação, e a cantar a maravilha do celibato. O homem precisa se livrar das paixões compreendidas por tudo aquilo que move (ou comove) a alma. Somente uma alma estável é capaz de perceber a Idéia. Para esta elevação do espírito, é necessário também o auto-conhecimento. Estando a alma purificada, está preparado o terreno para conhecer. A fé chama a razão para algo além dela própria, para o mistério. À razão cabe investigar os conteúdos da fé. O homem precisa crer para entender e este entendimento é feito racionalmente. Todavia, o conhecimento da razão divina ultrapassa em muito a finitude da razão humana e, por isso, o homem precisa novamente da fé para alcançar o conhecimento, sendo que este não se esgota nunca, nem quem bebe do conhecimento de Deus sacia sua sede. Deus em sua totalidade é insondável, e qualquer tentativa de abarcá-lo com palavras está fadada ao fracasso. Agostinho retira do Êxodo o que julga ser a melhor definição. Neste trecho Moisés pergunta ao Senhor o que deve dizer na Aldeia quando lhe perguntarem quem encontrou, e Deus assim se define “Eu sou o que Sou”, ou em outras traduções, “Eu sou aquele que é”.

Para Agostinho a felicidade também habita na memória. O homem antes do pecado original, foi em um tempo feliz, e ainda há resquícios desta felicidade. A vida feliz só pode ser alcançada quando se busca a Deus. É voltando a ele que o homem atinge a verdadeira felicidade, e seu ser se completa. Como diz Agostinho, “Tarde Vos Amei, Senhor”, pois sem que ele o soubesse, Deus sempre esteve presente em sua vida, e sua desesperança só teve fim quando retornou à Deus, ou quando se lembrou de Deus. Esta volta só pode ser feita por intermédio do Cristo. A teoria agostiniana de reminiscência afasta-se da teoria platônica, contudo, nesta, a alma contempla as Formas eternas antes de nascer, em outro mundo. Em Agostinho a contemplação da luz divina não é uma lembrança da vivência anterior da alma, mas uma irradiação presente. Deus ilumina o intelecto com sua luz, tornando-o capaz de conhecer segundo sua ordem natural.

Para Agostinho, todos os homens querem ser alegres e felizes, mas a verdadeira alegria só vem de Deus. A carne e seus apelos, a matéria, podem levar o homem a confundir-se e fazer aquilo que pode fazer, mas não aquilo que realmente quer fazer. Deus é a felicidade porque é a verdade. E a alegria reside na verdade. Esta é uma só, e Deus a sua fonte. Reside ela na memória, pois, como exemplifica Agostinho, desde o episódio de sua iluminação em que encontrou a serenidade de espírito, Agostinho encontrou sempre a mesma verdade, e dela se lembrou. Desde que conheceu a Deus, dele se esqueceu, e este permanece em sua memória como fonte de suas delícias. O homem deve invocar a Deus, que já habita nele para voltar a encontrar a verdade. O caminho da purificação é livrar-se principalmente do orgulho e da soberba, das comoções da carne, seguindo exemplo de Jesus Cristo, que foi ao mesmo tempo Deus e homem, verbo imortal e carne perecível. Este morreu para salvar o homem do pecado original.

Também em Platão o homem deve procurar a virtude, deve levar a vida corretamente. Mas o problema da  ascese da alma não é meramente humano, como critica Agostinho. Afinal, vê-se no Mênon e no Protágoras , que, em última instância, são os escolhidos aqueles que alcançarão a verdade. É por escolha dos deuses que são designados os daimons aos homens. O próprio Sócrates é, de certa forma, escolhido pelos deuses, como vaticinou o Oráculo de Delfos ao apontá-lo como o mais sábio dos homens, ou como indicava o seu guia interior, a voz do daimon que lhe mostrava o caminho certo, conforme  descrito na Apologia de Sócrates. Em Platão, aquele que procura a verdade também tem de enfrentar um duro caminho de purificação, através da ascese dialética e há, igualmente, uma forte ascendência da alma sobre o corpo.

1.3. A felicidade recompensada – Kant

Para Kant felicidade é a satisfação de todos as nossas inclinações, tanto em intensidade como em duração.  Diferentemente de Aristóteles, que compreendia o Bem Supremo como aquilo do alcance da felicidade, relacionando ao ofício do sábio, que ao ser um homem feliz não necessitava mais do que o mínimo de tudo que era material, pois a atividade do trabalho, considerada indigna para o senhor, ficava restrita ao escravo, Kant pensa o Bem submetido à lei. Há uma autonomia da lei em relação ao Bem, o que era antes uma submissão da lei ao Bem, passa a ser visto como submissão do Bem à lei. É o que ele, Kant chama de o imperativo categórico: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. (Livro I, Cap. I, § 7)

Para Kant, a faculdade de desejar superior baseia-se no pressuposto de que o homem pode ser um ser puramente racional, pelo fato da vontade que determina a ação deve ser livre, autônoma. A realização daquilo que é moralmente justo só tem valor quando se faz por puro respeito à lei, por dever. O imperativo categórico é um ato puro de enunciação; sem conteúdo. O objeto da lei moral tem, deste modo, a mesma natureza que o objeto do desejo: ele esquiva-se, não sendo nunca encontrado. A ética kantiana é a do recalcamento e a lei moral não admite desculpas, submetendo o prazer à universalidade. O imperativo categórico, é uma espécie de além do princípio do prazer, pois vai contra o bem-estar do sujeito, já que é indiferente a seu bem-estar.

Conforme Álvaro Valls, quando de sua apresentação no Seminário “Aids Quo Vadis”: Tendências e Perspectivas da Epidemia no Rio Grande do Sul, em 28 de julho de 1997, Kant reflete sobre a felicidade e sobre a virtude sempre em função do conceito de dever.  Kant reconhece que o imperativo é apenas uma fórmula, porém ele, que gostava tanto das ciências e que não tinha a intenção de criar uma nova moral, estava apenas preocupado em fornecer-nos uma forma segura de agir. Sua ética é, pois, formal, – alguns até dirão formalista. Ora, o nosso pensador alemão, com seu imperativo categórico, nos forneceu, na prática, um critério para o agir moral. Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente,) – o que aliás tu tens de fazer – age então de uma maneira realmente universalizável. Pois aqui está o segredo da ética kantiana: A universalização das nossas máximas (em si subjetivas) é o critério. A moral kantiana, de certo modo, também pressupõe um conceito de homem, como um ser racional que não é simplesmente racional. Portanto, um ser livre, mas ao mesmo tempo atrapalhado por inclinações sensíveis, que ocasionam que o agir bom se apresente a ele como uma obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre sua parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito, e sim dual. Mas o dever, quando nos força, obriga a fazer aquilo que favorece a liberdade do homem, porque o homem é um ser autônomo, isto é, sua liberdade, no sentido positivo, consiste em poder realizar o que ele vê que é o melhor, o mais racional. Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, ao lado das causas naturais que pertencem, como diz Kant, (à maneira newtoniana,) ao mecanismo da natureza. O homem, neste sentido, é legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que vê o que deve ser feito, e é membro ou súdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão lhe formula. Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é por isso que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, tão-somente como um meio, mas sempre pelo menos também como um fim em si. É o que Tugendhat chamaria uma ética do respeito à pessoa. Não quero e nem posso, aqui, entrar em mais detalhes sobre essas três correntes éticas, mas gostaria de ressaltar que a terceira, a kantiana, é extremamente moderna. A ética do dever é moderna porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade. É a ética do homem empreendedor, e nisto coincide com o surgimento e a ascensão da sociedade industrial e capitalista. Ela é estranha ao capitalismo consumista, na medida em que não dá grande valor ao gozo dos prazeres, acentuando privilegiadamente os deveres. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido. A tranqüilidade da boa consciência. E se ele fala na busca dos bens materiais é porque considera que ser feliz, neste aspecto, é um dever do homem, uma vez que um homem frustrado faz mal a si e aos outros. Temos, pois, até uma obrigação de tudo fazermos para ser felizes, desde que seja tudo o que poderia ser universalizável, dentro do respeito aos demais. Não é a felicidade a qualquer preço.

A fé moral na imortalidade é necessária para que se admita uma vida depois da morte onde existiria recompensa (dado que nem sempre a virtude é premiada com felicidade). A existência de Deus se faz necessária porque é preciso explicar um mundo onde o ideal e o real – o que é e o que deve ser – não são separados. Mas o legislador e criador dos valores morais supremos é o espírito humano, onde reina o imperativo categórico.

2. A felicidade na imanência

2.1. A felicidade moderada – Aristóteles

Aristóteles menciona três vidas possíveis para os homens: a vida de riquezas, que ninguém gostaria de buscar por ela mesmo; a vida ativa e política, na qual o homem pode exercer sua virtude prática na comunidade de seus semelhantes, mas sem conhecer o ócio nem a auto-suficiência; e, finalmente, a vida de contemplação, que, segundo ele, é a mais elevada que pode viver a parte mais nobre do homem, pela qual ele se assemelha a Deus e se imortaliza, não no sentido de uma imortalização individual mas antes o de uma assimilação a uma inteligência impessoal.

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles refuta as definições de felicidade concebida como prazer, riqueza, honraria e critica a tese filosófica que faz da virtude a condição de felicidade. Prova disso é que um homem virtuoso pode muito bem passar a sua vida sofrendo os piores infortúnios. Define então felicidade como fim mais digno e completo de ser buscado, em vista do qual todos os nossos atos são realizados, sendo jamais desejada em vista de outra coisa. Se a felicidade fizesse parte desses bens que buscamos, em vista de outra coisa, ela não seria em nada algo perfeito e que se basta a si mesmo.

Para Aristóteles a felicidade é um bem comunitário, afinal o homem é definido como um animal político, e a busca do soberano bem depende da política. Quando Aristóteles, na Ética a Nicômaco, começa a examinar o que é a virtude, a fim de precisar a natureza da felicidade, ele afirma que o verdadeiro político é aquele que se entregou a tal estudo, dado que seu objetivo é fazer com que os cidadãos sejam virtuosos. Contudo, para se entregar a tal estudo, é necessário que o político possua algum conhecimento da alma, a fim de determinar quais são sua virtude e sua atividade.

A questão é: como saber se o que estamos buscando e parece ser um bem, não é apenas aparente e sim um bem verdadeiro? Aristóteles sugere a moderação que permite compreender bem em que sentido a virtude moral é a excelência da parte desejante, isto é, em que sentido a virtude do caráter diz respeito aos prazeres e aos sofrimentos. O justo meio é uma arte aprendida desde a infância que requer o contínuo exercício de não ceder a nossos temores, sofrimentos e prazeres, e, para tanto, precisamos ser prudentes. É habituando-se a obedecer às prescrições de seu educador que a criança habituará sua parte desejante a obedecer à sua parte propriamente racional, o que ganhará todo o seu valor quando, chegado o momento, sua razão a governar. Assim a decisão passa a ser não meramente motivada pelo desejo, mas também pela deliberação racional, virtude intelectual.

Ora, só poderá estabelecer uma relação de equidade, aquele que tiver uma relação de amizade com seus concidadãos. Pode o sábio, supostamente o mais feliz dos homens, ser um homem solitário? O homem mesmo que se entrega à contemplação, não se basta a si mesmo, ele pensa noutra coisa que não nele mesmo, donde a necessidade de ter amigos e de partilhar nossa vida com eles, pois assim poderemos quase autocontemplar-nos ao contemplar as ações virtuosas de nossos amigos. Para sermos felizes não podemos viver sem amigos.

2.2. A felicidade preparada – Epicuro

Epicuro tem a preocupação de encontrar os caminhos que podem levar o homem a ser mais feliz. A felicidade está na busca do prazer, o que não significava busca de prazer sem limites. Epicuro alerta para as consequências dos prazeres e também para a diferença entre os prazeres imediatos e os prazeres duradouros, que considera mais intensos e que devem ser conquistados a longo prazo. Isso significa que o homem tem a capacidade de planejar sua vida e, por conseqüência, seus prazeres.

Epicuro não se refere aos prazeres dos sentidos, ou seja, da carne. Valores como o autocontrole, a temperança e serenidade, as sensações em relação às artes e, principalmente, o sentimento da amizade, são motivos de grande prazer. Mas para viver bem e com prazer o homem não pode ter medo. Nem das coisas ruins e nem das coisas boas. Portanto, para Epicuro a filosofia é o remédio que tira o medo do homem: medo da morte; medo dos deuses; medo da felicidade; medo de suportar a dor. Mesmo que para isso o homem tenha que se afastar um pouco da sociedade, para viver em um lugar onde não haja tantos problemas e preocupações.

Para Epicuro, o remédio que vai curar o homem dos males que o afligem, ou seja, dos seus medos, é a filosofia. A doutrina filosófica epicurista vai dizer ao homem o quádruplo remédio que o possibilitará ter uma vida serena e prazerosa: não há o que temer quanto aos deuses; não há nada a temer quanto à morte; pode-se alcançar a felicidade; pode-se suportar a dor, conforme Epicuro cita na Carta a Meneceu.

Encontramos em Epicuro, uma proposta de busca de felicidade baseada na razão e no amor, calcada no conhecimento filosófico, e na imperturbabilidade e serenidade do homem diante das adversidades, tanto pessoais quanto sociais. Para suportar a dor individual é preciso ter em mente os prazeres vividos no passado. A memória tem então, um papel fundamental dentro da ética epicurista, não só como possibilidade de reviver os momentos felizes, mas também de preservar o saber adquirido através da filosofia e, conseqüentemente, a liberdade dela advinda. Daí a importância de ler, escrever e conversar sobre filosofia. Manter acesa a sabedoria, principalmente através da amizade que se cria através de diálogos verdadeiros e uma convivência harmoniosa.

Para suportar a dor social, Epicuro recomenda o afastamento da política e mazelas que dirigem um mundo determinado pelo medo, pelas injustiças, pela pobreza, enfim, pela morte; e a edificação de uma cidade interior, livre das ilusões e das crendices e por isso, serena e livre. O homem deve escolher entre felicidade ou política. É a oposição entre ética e política para a construção de um projeto pessoal de substituição do mal pelo bem.

Para Epicuro, é perfeitamente possível ser sereno e feliz em momentos de extrema adversidade. Basta usar o remédio certo, no caso, a filosofia. Essa visão nos remete a uma atividade curativa e libertadora da filosofia, pautada na lógica, na física e na ética, sendo as duas primeiras, auxiliares da terceira na construção do entendimento e na vivência da felicidade.

Não temer os deuses significa eliminar da vida humana temores e crendices. Os deuses de Epicuro não participam dos conflitos humanos, vivem a felicidade eterna, sem necessidade de julgar, condenar ou absolver, por isso, não devem ser temidos.

Não temer a morte significa que não se deve temer o que não está presente e que quando estiver não estaremos mais aqui. Portanto, a morte para Epicuro é a privação da sensibilidade, o que significa que não podemos senti-la. Sofrer ao esperá-la constitui um erro e consequentemente a perda da serenidade.

Poder alcançar a felicidade parte do pressuposto que o homem tem a vocação para uma vida feliz. Não se deve privar dessa possibilidade pelas doenças do corpo ou da alma. Não sofrer no corpo, não ter a alma perturbada é a fórmula epicurista da felicidade. É preciso transformar o tempo de vida em tempo de felicidade. E a felicidade está exatamente no prazer e na serenidade.

Poder suportar a dor completa o tetraphármakon epicurista, mostrando que, se a dor existe, deve ser curada, afastada através de mecanismos que o próprio homem possui. Quando a dor é física, dever ser eliminada com a rememorização de uma situação prazerosa do passado ou uma esperançosa do futuro. Isto se dá no refúgio ao mundo interior, subjetivo e livre do tempo e do espaço. Quando a dor é da alma, devem ser revistos os valores que orientam a vida. Após esse redirecionamento e consequente eliminação de falsos temores, recupera-se a saúde mental e a dor desaparece.

Inspirado em Demócrito, Epicuro apresenta em sua física algumas novidades que possibilitam as mudanças que viabilizam uma ética não determinista. Ao supor que os átomos possuem apenas qualidade intrínsecas à sua forma, com peso e grandeza, e ao afirmar que essas qualidades mudam sem alterar a constituição do átomo, ele possibilita o redirecionamento da vida interior do homem sem que isto represente na perda da sua normalidade. É no movimento contínuo dos átomos e no vácuo criado pelo espaço entre eles sem oferecer resistência que Epicuro explica o movimento encadeado dos corpos. O desvio (clinamem) dos átomos possibilita os choques. Então Epicuro quebra a rigidez da fatalidade, privilegiando o processo de liberdade que pode levar à felicidade.

Epicuro acreditou em uma felicidade que flui de dentro do homem e, portanto, edifica-se a partir de um processo de libertação interior que exclui da vida o medo e a dor. Vivemos presos, temos medo e sentimos dor. Estamos impossibilitados pelo tempo e pelo espaço. Diante das adversidades do mundo, o epicurismo propõe a edificação da “cidade interior”, onde nenhum tirano pode entrar, onde não existam limites ou imposições a não ser as ditadas pela própria razão, soberana e independente. Embora pareça uma fuga, uma acomodação, o epicurismo nos remete a uma preparação. A um movimento revolucionário onde o principal objetivo é assumir a verdadeira natureza humana, livre, autônoma e criativa. Essa revolução interior prepara uma revolução maior, onde a harmonia será uma realidade e a justiça uma possibilidade. E os homens viverão como os deuses, sábios e felizes: serenos e com um imenso prazer.

2.3. A felicidade resignada – Sêneca

Sêneca, em sua filosofia, procura responder a pergunta pelo que seja o bem viver e, para isso, parte da filosofia estóica. Para respondê-la há que se buscar um fundamento que para os estóicos e para Sêneca será dado pela natureza humana. Para os estóicos a natureza é tanto o que está contido no mundo, quanto o que produz esses elementos, por isso dizer-se que a natureza é já um modo de ser, um modo de ser que traz em si o impulso, o germe do que existe na natureza, trata-se de uma natureza animada, que faz geminar ela mesma. A natureza é tida também como um sopro artesão, um fogo artista que não só a anima, como também lhe dá uma ordenação, ou seja, a natureza não é apenas um modo de ser que traz em si o impulso da produção de si mesma, mas se trata de um impulso que é artesão, logo, não se trata de um mero fogo, de um sopro qualquer, porém de um sopro que esculpi, que dá uma determinada forma, que ordena. A natureza estóica é tal que engendra a si mesma a partir de uma certa racionalidade, por isso, pode-se afirmar também que há em todas as coisas existentes na natureza uma certa ordenação, uma certa racionalidade. Em sendo assim, seguir a racionalidade que há na natureza, seguir a ordenação que há na natureza é, em certa medida, seguir não uma natureza que é estranha ao homem, mas é seguir não somente a própria natureza humana, como é também seguir essa natureza universal na qual o homem, como todas as coisas existentes, está integrado. Por isso, afirmarem sempre os estóicos a importância de seguir a natureza, com o que Sêneca não poderia deixar de concordar:

“… como todos os estóicos, saibas que sigo a natureza” é sábio não se distanciar dela e obedecer a seu exemplo e lei. A vida feliz é, pois, aquela adequada à natureza…”( Sêneca, A vida feliz. III. p. 27)

Quem nos ensina a agir conforme a nossa própria razão, conforme a nossa própria natureza, quem nos exercita nessa ação conforme a nossa natureza racional é justamente a filosofia. Mas se é a filosofia quem nos ensina os meios, os caminhos para vivermos segundo nossa natureza racional, se fará necessário saber qual seja o modo de vida que nos sugerirá essa razão natural. O problema posto, então, é sem dúvidas o do viver bem, ou, como deve agir o homem para que tenha uma vida boa, problema este que implica uma nova questão, ou, que pode ser reformulado em uma outra questão, isto é, qual o bem último do homem. Trata-se aqui de identificar qual seja o bem que procurado por ele mesmo, e em vista do qual todos os demais bens são procurados, possibilitará a articulação de um modo de vida que seja o mais adequado à natureza do homem, ou, que possibilite o viver bem.  Para Aristóteles também existem bens que são procurados por eles mesmos, como aqueles que o são em vista de outros bens, contudo, existiria um único bem que é procurado pelos homens por ele mesmo e, em vista do qual todos os demais também o são, esse é o bem último, no caso de Aristóteles, a eudamonia, o bem-estar. E, será no horizonte desse bem último que se pensará no melhor modo de vida para os homens. Para Sêneca, e para os estóicos, uma vez identificado esse bem, que deve ser conforme a natureza do homem,  será possível conceber um modo de vida para os homens, onde o viver bem seja alcançado, onde a vida feliz seja possível. E, desta busca também irá nos falar Sêneca:

“Eu busco o bem do homem, não o do estômago, como é provável ocorrer nos animais e nas bestas incapazes.” (Sêneca, Vida Feliz. IX. p. 36)

Esse bem, adequado a satisfazer a natureza do homem, pode ser tido como a virtude. Não exatamente como um fim, como um bem último a ser alcançado, mas, como uma qualidade para a ação humana, como um conteúdo para a ação humana, isto é, a ação humana não deve somente ser aquela que se dá em vista da virtude, mas deve ser aquela que é já virtuosa, é a ação na virtude que levará o homem ao viver bem.

Ação virtuosa e ação segundo a razão se identificam, assim a ação virtuosa é a única ação adequada para os homens, a única capaz de permitir-lhes uma vida boa, já que é a única a partir da qual nos orientamos pela natureza universal, e, é a única, portanto, que possibilita a tranqüilidade da alma, estado essencial da vida feliz.  A ação virtuosa nos protege de uma agitação na alma, nos protege de uma desmedida nas ações, que pode nos causar danos, nos protege do desassossego, da insatisfação, nos protege das ações motivadas pelas paixões.

Quando levados pelas paixões os homens deixam de possuir, para serem possuídos pelas suas próprias propriedades. É o que ocorre quando o homem, levado pelas paixões passa a cuidar demasiado do corpo, tornando-se escravo do cuidado com o próprio corpo, ou ainda, quando levados pelas paixões os homens tornam-se ávidos de novidades, sem reterem qualquer uma das coisas com as quais tenham tomado contato. Sêneca esclarece:

“… não é pobre quem tem pouco, mas sim quem deseja mais. Que importa o que temos no cofre, ou nos celeiros, quantas cabeças de gado ou quanto capital a juros, se fizermos as contas não ao que possuímos, mas ao que queremos possuir? Queres saber qual a justa medida das riquezas? Primeiro: aquilo que é necessário; segundo: aquilo que é suficiente!” (Sêneca. carta  02, 6. p. 04)

O homem guiado pelos seus desejos, pelas suas paixões, considera como um bem, por exemplo, a busca desmedida pelas riquezas, um cuidado excessivo com o corpo, ou, um gosto desenfreado pelo novo, é da servidão das paixões que Sêneca defende o distanciamento. Somente a alma liberta das paixões, que não se deixa guiar pelos excessos e pelas agitações externas, poderá alcançar o viver bem, poderá alcançar a tranqüilidade de alma, sem a qual a vida feliz não é possível.

Há um estado que precisa ser buscado para que o viver bem se realize, esse estado é o de tranqüilidade da alma, contudo essa tal tranqüilidade somente é possível quando o homem, guiado pela razão, tem como conteúdo de suas ações a virtude, realizando sua natureza e libertando-se da servidão das paixões, ou, libertando-se das afecções causadas pela fortuna. Para tanto, Sêneca considera necessário um específico movimento da alma, do homem, um movimento de retorno a si, tomando-se a si, um reivindicar-se a si mesmo. É o movimento pelo qual o homem se afasta do índice das massas, é por meio dele que o homem abandona as opiniões generalizadas e o guia das paixões, logo, somente o homem que reivindica-se a si poderá agir conforme a sua natureza, poderá agir conforme a razão e alcançar o estado de alma tranqüila. Esse por à si a razão como guia, vivendo na virtude e conforme a natureza, abandonando as paixões, proporcionando à alma humana a tranqüilidade necessária são elementos definidores do que seja o modo de vida adequado para os homens, o modo de vida suficiente e eficaz para proporcionar ao homem o viver bem:

“Então, feliz o homem dotado de reto juízo; feliz quem se contenta com seu estado e condição qualquer que seja, e aprecia o que é de sua posse; feliz quem confia à razão a gerência de toda a sua vida.” (Sêneca, cartas. IV. p.  31)

Sêneca está propondo ao homem uma espécie de apatia diante dos acontecimentos, a qual envolve uma profunda aceitação da sorte que cabe a cada um, uma espécie de sujeição ao destino, mas uma sujeição que pressupõe assentimento. É essa profunda aceitação da sorte o que exige o estado de tranqüilidade da alma, porém, tanto essa profunda aceitação da fortuna, quanto o estado de alma tranqüila somente são possíveis se o homem estiver liberto das paixões, somente se as paixões não forem um guia para suas ações. O homem guiado pelas paixões não é capaz de aceitar o destino, o que torna intranqüila sua alma, porque a torna desejosa, tornando infeliz o homem. Por outro lado, o homem que se guia pela razão, ou seja, o homem que assenhorou-se de si e segue a natureza universal, porque não está sob o julgo das paixões, é capaz de suportar qualquer adversidade, percebendo-a como um movimento dessa natureza universal da qual ele faz parte, não padecendo com o destino, mas consentindo em sujeitar-se a ele, mantendo tranqüila sua alma e nisso alcançando o bem-estar e a vida feliz. Logo, o bem-estar não se traduz em uma vida de prazeres, mas em um estado de ânimo, em outras palavras, o estado de calma, o estado de alma tranqüila.

O único modo de vida adequado ao homem é aquele segundo a razão, para o qual exige-se uma tomada de si, que afasta o homem das agitações externas e das paixões, mantendo tranqüila a alma, e, capacitando-a a manter-se inabalada diante das adversidades, viva de tal modo que perceba que as coisas que afetam o homem, que angustiam o homem, o fazem ou por exagero dos homens, ou por antecipação, ou pela imaginação. Em outras palavras, se não for o caso de praticar um assentir com o destino, deixando-se levar por ele, o mesmo ou semelhante resultado se obterá, se perceber o homem que as coisas que os angustiam, muitas vezes, são ilusórias, ou passageiras, ou que não implicam em um grande padecimento.

Para um estóico como Sênceca, a ação conforme a natureza, a ação temperada, a ação ordenada, que leva ao estado de alma tranqüila é somente aquele que afasta as paixões, que nega as paixões, que abandona as paixões e pauta-se somente pela razão. Logo, se para os cristãos a ação temperante é aquela que, visando à quietude de ânimo, ordena as apetências do sensível, moderando-as, de outra parte, para um estóico, a ação temperante é aquela que, visando a tranqüilidade da alma, abandona as paixões, guiando-se somente pela razão. O que temos então é a explicitação de que, cristãos e estóicos parecem querer um mesmo resultado, ambos parecem propor a vida na virtude como o modo de vida mais adequado aos homens, no entanto, não só o meio de alcançar uma ação virtuosa é distinto, como, sobretudo, o próprio conteúdo do que seja a ação virtuosa é diverso. Inegável é, todavia, a pergunta comum, qual seja, a pergunta pelo viver bem.

3. A felicidade na carência

3.1. A felicidade negada – Schopenhauer

As conseqüências de nossos atos jamais correspondem a nossas esperanças, e mesmo, numa escala maior, a história, longe de ser o veículo do progresso, reduz-se a uma sucessão monótona de decepções e sofrimentos. Na filosofia de Schopenhauer, a felicidade não é conseqüência da virtude. A vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana e, ao mesmo tempo, é a fonte de todos os sofrimentos. A vontade como um querer viver irracional e inconsciente é um mal inerente à existência do homem. O que se conhece como felicidade seria apenas a interrupção temporária de um processo de infelicidade e somente a lembrança de um sofrimento passado criaria a ilusão de um bom presente. Para Schopenhauer, não existe satisfação durável e a felicidade é ausência de dor. Viver é sofrer.

Todos viemos ao mundo cheios de pretensões de felicidade e prazer, e mantemos a esperança de sua concretização, até que o destino nos mostra que nada é nosso. O presente e o futuro dependem do destino. A experiência ensina-nos que a felicidade e o prazer não passam de uma quimera, mostrada à distância por uma ilusão, enquanto que o sofrimento e a dor são reais e manifestam-se por si só, sem a necessidade da ilusão e da espera. Se aprendermos com o sofrimento, deixaremos de procurar a felicidade e o prazer e passaremos a preocupar-nos apenas em fugir ao máximo do sofrimento e da dor.

Schopenhauer cita que “A vida oscila como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio”, inspirado no ensinamento de Buda acerca do desejo e da natureza impermanente de todas as coisas, expressando assim sua conclusão de que a vontade é uma força cega que jamais será inteiramente satisfeita. O homem só pode se libertar desse sofrimento pela negação da vontade. Vontade que, para Schopenhauer, é a essência mais íntima do homem. Vontade como força originária homogênea, que se manifesta em toda a natureza  (nos vegetais, na gravidade, no fenômeno de repulsão e atração dos materiais), que se cinde nas muitas vontades. Vontade que é tendência, necessidade, aspiração, é o querer-viver, absurdo, sem razão e sem finalidade, que engendra sempre novas necessidades e, com elas, novas dores, pois “viver é sofrer”. Schopenhauer está convencido de que a inutilidade da vontade não é irremediável e que encontramos a salvação retirando-nos do mundo para observá-lo do exterior. Mas sendo a vontade a realidade fundamental, como é possível nos separarmos dela? Acalmá-la é possível pela via da arte e da moral.

Pela arte o homem se afasta de seus desejos e de suas necessidades, deixando de olhar as coisas em função da utilidade e de seu egoísmo, motivo principal da conduta humana. Na experiência estética o homem não é mais consciente de si mesmo, tornando-se puramente contemplação. Contudo os momentos felizes de contemplação são breves e raros o que leva o homem a outro caminho.

Pela moral, mais especificamente pela compaixão que a fundamenta, o indivíduo se identifica aos sofrimentos dos outros e age não mais, apenas, por interesse próprio. Não se trata de sucumbir à ilusão de sentir em nosso próprio corpo as dores do outro. Ao contrário, a compaixão consiste em sentir o sofrimento do outro em sua pessoa. Seja como for, nesse sentimento a diferença entre nós e ele se mostra menos pronunciada do que de costume, quando agimos de forma puramente egoísta.

Mas nem mesmo a ética da piedade possibilitaria ao homem atingir a felicidade última, já que a única forma de salvação para o homem poderia ser encontrada na renúncia ao mundo e todas as suas solicitações possíveis, na fuga para o nada. O não-ser seria decididamente melhor que o ser.

3.2. A felicidade afirmada – Nietzsche

Ao sentimento com que o poder se engrandece, com que se vence uma resistência, Nietzsche define como felicidade.

“O que é felicidade? – O sentimento com que o poder se engrandece, – com que se vence uma resistência.” (O Anticristo, p. 14)

Se para Schopenhauer a essência fundamental da existência é a vontade de viver, para Nietzsche essa essência é a vontade de poder, que antecede ao instinto de conservação (vontade de viver).

“Os fisiólogos deveriam refletir, antes de estabelecer o impulso de autoconservação como impulso cardinal de um ser orgânico. Uma criatura viva quer antes de tudo dar vazão a sua força – a própria vida é vontade de poder – a autoconservação é apenas uma ds indiretas, mais freqüentes conseqüências disso.” (Além do Bem e do Mal, p. 20)

Esta vontade foi vista como ruim por toda a tradição. Renegar à ambição é negar a própria vida, visto que ela faz parte da natureza humana  e graças a ela torna-se possível o aperfeiçoamento humano. Desta forma, a vida como vontade de poder é uma vida de lutas, confronto, fadigas, dominação, guerras, vitórias e derrotas, glórias e tragédias, e está presente em todos os acontecimentos da existência.

“(…) a teoria de uma vontade de poder operante em todo acontecer.” (Genealogia da Moral, p. 82)

A vontade de poder é uma espécie de a priori da vida, que determina luta interessada pela dominação. Luta entre homens, uns querendo impor-se a outros. E é precisamente isto que faz a vida crescer e evoluir. A competição, a inveja e a ambição são vistas aqui positivamente. Assim, para Nietzsche, é preciso existir hierarquias e, por conseqüência, a desigualdade. A liberdade de uns é retirada em nome da liberdade de outros, mais especificamente, dos melhores, dos mais nobres, dos aristocratas, considerados por Nietzsche como os bons e não os ruins.

Uma vida fundada nos ideais de fraternidade e igualdade é uma vida decadente, é uma vida de fracos (escravos) que se submetem à moral dos dominantes (senhores). Os primeiros detém as forças negadoras da vida (valores cristãos), enquanto que os outros detém, as forças afirmadoras (valores nobres). Beleza, alegria, instintos, embriaguez dos sentidos, orgulho, autonomia, coragem, inteligência riqueza, são valores da afirmação da vida. Culpa, ressentimento, pobreza, desinteresse, igualdade, são valores da negação da vida. A moral aristocrática será, assim, a expressão ética da vontade de poder.

Os valores aristocráticos de afirmação estão em constante contradição com os da moral altruísta, da renúncia de si, do amor ao próximo, da compaixão e da piedade. A piedade é na verdade a humilhação do próximo, é boa para os outros, jamais para si mesmo. O amor de si é mais importante para o próximo do que a piedade. O próximo enquanto tratado com misericórdia é o fraco, o que está excluído da disputa, da luta.

“Sinto-me envergonhado de ter visto sofrer o que sofre, devido à vergonha dele; e quando corri em seu auxílio, feri-lhe gravemente o orgulho.” (Assim Falou Zaratustra, p. 66)

A moral afirmadora de Nietzsche pode ser considerada como um expressão de claro egoísmo, todavia não significa acomodação. O indivíduo não deve viver suas comodidades privadas alheio às lutas, às guerras, ao mundo. Ele deve viver dionisiacamente por um “alto e nobre para quê?” Trata-se de dar um sentido grandioso à existência, singular, nobre, distinto.

A moral egoísta aristocrática busca a felicidade, mas, para Nietzsche, antes dela está a construção de uma obra, mesmo que o enfrentamento do sofrimento seja uma necessidade como meio de enobrecimento e de aperfeiçoamento do ser.

“Que importa a felicidade? (…) Há muito tempo que deixei de aspirar à felicidade; aspiro à minha obra.”(Assim Falou Zaratustra, p.179)

O gênio deve sofrer muito para tornar-se um gênio e esta é uma das razões porque grande parte das pessoas não desejam ser gênios. A vida mesma, seu eterno retorno, sua garantia e crescimento, implica sofrimento.  O povo grego tinha uma sensibilidade extremada para a dor e foi o maio de todos os povos. Tanto maior o sofrimento de um indivíduo, maior sua nobreza de espírito. Poetas, escritores, artistas, filósofos, amantes extraem de seus mais duros sofrimentos poesias, romances, conhecimentos, mais amor.

“Vocês querem, se possível – e não há mais louco ‘possível’ – abolir o sofrimeto; e quanto a mós? – parece mesmo que nós o queremos ainda mais, maior e pior do que jamais foi! Bem-estar, tal com vocês o entendem – isso não é um objetivo, isso nos parece um fim! Um estado que em breve torna o homem ridículo e desprezível – que faz desejar o seu ocaso! A disciplina do sofrer, do grande sofrer – não sabem vocês que até agora foi essa disciplina que criou toda a excelência humana?” (Além do Bem e do Mal, p. 131)

O sofrimento é reivindicado por Nietzsche não como uma renúncia de si e da vontade. A vida comporta, naturalmente, o sofrimento e o nobre por estar no primeiro posto, encarregado do comando, se expõe mais aos perigos. Renúncia acontece quando o indivíduo nega uma parte fundamental da vida que é o sofrimento, negando a própria  vida na terra e criando um mundo além. Só pode ser grande quem sofre. Mais do que a felicidade, o que importa é o impulso para o heróico, o trágico-dionisíaco. A vida de um homem só tem sentido quando ele é capaz de viver e morrer por um “alto e nobre para que”.

3.3. A felicidade condenada – Rosset

Rosset, como Schopenhauer, expõe a idéia de que o homem é incapaz de suportar a realidade em sua dimensão essencialmente trágica e dolorosa. A filosofia ocidental inventa certezas metafísicas e religiosas pela incapacidade humana de tolerar a crueza e unicidade do real. O termo realidade não é, na história da filosofia, um conceito prestigiado. Os filósofos falam de razão, liberdade, idéia, finalidade…, mas a realidade lhes parece indigna de assunção filosófica.

Em Princípio da Crueldade, Rosset, apresenta a noção de crueldade, não no sentido sádico (gostar de fazer sofrer) ou masoquista (gostar de sofrer). Significa afirmar o que é, mesmo que isto seja enunciar a verdade desconfortável do real: única e inapelável.

As fórmulas “princípio de realidade suficiente” e “princípio de incerteza” formam os dois pilares de sua “ética da crueldade”. Viver segundo essa ética é conformar-se com um desabrigo metafísico: a filosofia é apenas uma mirada que interpreta o real, mas não acrescenta a ele nenhuma verdade certa ou segura. O papel da filosofia, segundo Rosset, é higiênico ou negativo: afastar as “verdades” que visam ocultar a crueldade ou crueza do real.

Rosset tematizada a alegria em sua mais alta potência, como expressão direta e inocente de uma radical adesão ao viver, como experiência de uma plenitude que, bastando-se a si mesma, é capaz de celebrar o aspecto efêmero da vida, sua finitude, seu teor sempre-cambiante. Esse gozo incondicional da vida revela-se como rigorosamente impensável para uma tradição filosófica que, de Platão a Heidegger, preconizou o afastamento desta existência fugidia como via de acesso à verdadeira felicidade, freqüentemente associada a um desejo de imobilidade, de eternidade, de imortalidade. Ora, a alegria de estar vivo não cessa de escapar a toda a argumentação e, como força maior que atravessa a obra de Nietzsche, implica um conhecimento trágico, uma aceitação integral dos aspectos perigosos, problemáticos e enigmáticos da existência, expressando-se, em termos nietzschianos, como beatitude e amor fati diante de tudo o que existe e nos acontece. tudo o que existe e nos acontece

CONCLUSÃO

Na análise do conceito de felicidade, vimos ser quase obrigatório pensarmos o conceito de desejo ou de vontade, associados ao conceito demasiadamente humano de sofrimento. A escolha entre o sim e o não que responde à pergunta sobre a viabilidade da felicidade passa, impreterivelmente, pela discussão em torno do tema do desejo e da dor. É daí que nasce o conflito e a contradição de querer ser feliz num mundo sem tempo e espaço para a felicidade.

Todos os seres humanos buscam felicidade, que, segundo grande parte das filosofias aqui abordadas, consiste na satisfação plena dos desejos. Surge o primeiro paradoxo: o desejo que é caminho para uma felicidade, é morada do sofrimento pela falta, carência e ausência do próprio estado feliz.

Na teoria a solução para o impasse é tranqüila. Basta suprimir a vontade, o querer, o desejar. Mas é possível não desejar? Mesmo regredindo no tempo e fazendo de conta que não vivemos ainda no mundo do apelo ao consumo, teremos profundas dificuldades de extirpar a vontade de nossas vidas. Vimos que filósofos aqui abordados seguiram algumas sabedorias como o epicurismo, o estoicismo, e o budismo, na tentativa de vencer este paradoxo. Ao que parece o desejo é algo intrínseco à natureza humana.

Platão, com o qual se aproxima Schopenhauer (apesar de tudo que os afasta) no sentido de não identificar a felicidade como um bem alcançável neste mundo, projeta uma felicidade a partir de um processo de libertação. A felicidade no mundo em que vivemos é impossível. A plenitude e o esplendor só poderiam ser acessíveis no mundo inteligível, após a morte, já que o desejo de um felicidade imortal, presente no amor terrestre, indica-nos o despojamento do corpo. A filosofia, mais especificamente, a sabedoria é a via de promoção da felicidade, que para Platão poderá ser contemplada no mundo das Idéias, quando a alma deixar de ser prisioneira do corpo. Schopenhauer aqui se afasta de Platão. Longe deste idealismo, para ele não há mundo fora e, portanto, a felicidade é uma impossibilidade.

Agostinho é “o fiel escudeiro de Platão” no sentido de idealizar um mundo feliz, além do mundo terreno, capaz de abarcar todo o nosso desejo de felicidade. Para isso, no aqui e agora, temos que sofrer para purificarmos a alma do pecado originalmente contraído. Kant, também dualista, não destitui a possibilidade de uma felicidade após a morte, junto de Deus, mas, para isso, atrela a felicidade ao cumprimento de um dever moral, denominado de imperativo categórico.

Já para Aristóteles a felicidade é possível pelo exercício das virtudes e a amizade entre os homens é uma demonstração de condição de possibilidade para a felicidade. A felicidade se concretiza através de prazeres ponderados pelo conhecimento e pela filosofia.

Longe de Platão e mais próximo de Aristóteles está Nietzsche, defendendo a virtude como já sendo a própria felicidade. A virtude do herói que faz do sofrimento um elemento para a auto-superação. E, assim, Nietzsche tenta corrigir Schopenhauer  ao criar a moral do senhor como única capaz de fazer do sofrimento um bem necessário à felicidade, à criação. Pela vontade de poder Nietzsche abre caminho para sermos felizes neste único mundo possível. Felicidade é poder e poder é criar. Criar uma vida feliz. Uma bela obra.

Pensar a viabilidade de uma felicidade absoluta só mesmo fora deste mundo, o que significa ser necessário a existência de um outro mundo nesse fora. E, para que nesse outro mundo não sejamos acometidos pelo tédio, conforme Schopenhauer, é preciso continuar desejando, o que implica em sofrer. Contudo, talvez seja uma nova forma de desejo, desconhecida pelos ditames da razão mas, quem sabe, permissível a partir da fé.  Como em Kant, pensar a imortalidade só pela razão é antinomia, mas, talvez venha resolver o problema dos que esperam por uma felicidade absoluta. Esperar também é uma profissão de fé.

Está no paradoxo do desejo as dificuldades para a concretização da felicidade no mundo em que vivemos, no qual nos reconhecemos como humanos e, portanto, portadores do desejo de ser feliz. Assim é humanamente impossível não desejar, pois é impossível suprimir o desejo.  O mesmo desejo que é via da felicidade é via de sofrimento e infelicidade. É pelo desejo que chegamos à felicidade. É desejando coisas, inclusive desejando ser feliz que vamos construindo a felicidade. Ao mesmo tempo é no ato de desejar que encontramos as barreiras para alcançarmos a felicidade. Enquanto desejamos sofremos de carência, falta e frustração.  Então ser feliz neste mundo só mesmo uma felicidade limitada o que implica em assumirmos o papel de heróis trágicos, ao modo dionisíaco, conforme Nietzsche. A verdade dionisíaca compreende aceitar a existência e as dores da morte e do sofrimento, sem a pretensão da redenção divina.  Uma espécie de suportamento. A questão que fica é como criar uma obra, inventar a felicidade fruto do meu desejo, sem reprimir a pretensão de felicidade do outro?

BIBLIOGRAFIA

Fedon, Platão

Filebo, Platão

Górgias, Platão

Confissões, Agostinho

Crítica da Razão Pura, Kant

Crítica da Razão Prática, Kant

Ética a Nicômaco, Aristóteles

SÊNECA, L. A. A vida feliz. Trad. André Bartolomeu. Campinas-SP: Pontes Editores, 1991.

_________. Sobre a brevidade da vida. Trad. William Li. São Paulo: Nova Alexandria, 1993.

_________. Da tranqüilidade da alma. Trad. Guilio Davide Leoni. 1.ed. São Paulo: Abril, 1973.

_________. Medéia. Trad. Guilio Davide Leoni. 1.ed. São Paulo: Abril, 1973.

_________. Cartas a Lucilio. Trad. J. A. Segurado e Campos. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1991.

_________. Tratado sobre a clemência. Trad. Ingeborg Braren. Petrópolis-RJ: Vozes, 1990

O Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer

Além do Bem e do Mal, Nietzsche

Assim Falou Zaratustra, Nietzsche

Genealogia da Moral, Nietzsche

O Anticristo, Nietzsche

O Mal Estar na Civilização, Freud

Felicidade, Desesperadamente, André Comte Sponville

Filosofia e Felicidade, Van Den Bosch

A Felicidade, Robert Misrahi

Nem cegueira, nem escuridão

Paulo Santana, estimado colunista gaúcho, nos brindou com um excelente artigo publicado na Zero Hora do dia 29/05/2005, quando escreveu sobre a entrevista concedida pelo filósofo francês Michel Onfray à revista Veja. Nessa entrevista Onfray, que é ateu, critica duramente a idéia de Deus vendida pelas religiões. Segundo Onfray, por trás do discurso pacifista e amoroso, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo pregam na verdade a destruição de tudo o que represente liberdade e prazer.  Essas religiões, afirma o filósofo, exaltam a submissão, a castidade, a fé cega e conformista em nome de um paraíso fictício depois da morte. O encanto e a magia da religião desaparecem quando se vêem as engrenagens, a mecânica e as razões materiais por trás das crenças.  As religiões, que dizem querer promover a paz, o amor ao próximo, a fraternidade, a amizade entre os povos e as nações, produzem na maior parte do tempo o contrário.  Segundo Onfray, só o homem ateu pode ser livre, porque Deus é incompatível com a liberdade humana. Deus pressupõe a existência de uma providência divina, o que nega a possibilidade de escolher o próprio destino e inventar a própria existência. Se Deus existe, não somos livres; por outro lado, se Deus não existe, podemos nos libertar. A liberdade nunca é dada. Ela é construída no dia-a-dia. Onfray chega a citar exemplos de contradições encontradas nos livros sagrados. Nos Evangelhos, por exemplo, lê-se em Mateus (10:34) a seguinte frase de Jesus: “Não vim trazer a paz, e sim a espada”. O mesmo evangelista afirma a todo instante que Jesus traz a doçura, o perdão e a paz. Para Onfray é possível acreditar em Deus e viver sem religião, mas não há religião que viva sem Deus. Deus e a religião são invenções humanas, assim como a filosofia, a arte ou a metafísica, todas criações que tentam afastar a angústia da morte. Como alternativa na proposição de  valores morais e éticos, Onfray indica a filosofia que possibilita a apreensão do que é o mundo, do que pode ser a moral, a justiça, a regra do jogo para uma existência feliz entre os homens, sem que seja preciso recorrer a Deus, ao divino, ao sagrado, ao céu, às religiões. É preciso passar da era teológica à era da filosofia de massa.  Inclusive Onfray criou o que na Europa chamam de Universidade Popular, espaço onde pessoas, de todas as origens, sem distinção de classe, religião, sexo, idade, formação, poder aquisitivo ou nível intelectual, se reúnem sob a orientação de um filósofo para discutir os mais diversos conceitos e questões. Voltando ao Paulo Santana, este discorda de Onfray por considerar a religião mais eficaz do que a filosofia no sentido de promover a felicidade. É uma pena que Paulo Santana nada comenta sobre a atitude de algumas religiões ou seitas que se fundamentam apenas na mecânica da pena e da promessa e, de fato, provocam nas pessoas uma alienação e acomodação preocupante. Sem muito pretensão, desacordo do Santana quando ele afirma que a fé principia quando a razão termina. Acho que ambas se co-implicam. Não dá para separá-las ao modo cartesiano. Precisam andar juntas. Fé sem razão gera cegueira e razão sem fé gera escuridão.

O amor como tema da filosofia

Desde sempre o amor é objeto de inquietação de filósofos e, mais recentemente, de psicólogos, sociólogos e psicanalistas. Amor sobre o qual Platão escreveu na sua obra “O Banquete” em que Sócrates expõe a teoria que ficaria conhecida como “amor platônico”. Quando somos jovens e ignorantes em filosofia, tendemos a nos apaixonar por pessoas fisicamente atraentes. Com o passar do tempo a fixação quase maníaca por um corpo em particular diminui e passamos a amar a beleza interior. Somos capazes de aprender que a beleza da alma é muito mais valiosa do que a beleza física. Aristóteles nunca escreveu especificamente sobre o amor, mas sobre a amizade. Ele achava que uma boa amizade, na qual duas pessoas se unem no amor pela verdade, era o que podia haver de melhor entre os homens. Para Shopenhauer, filósofo do século XIX “o sentimento amoroso radica exclusivamente no impulso sexual”. O amor é apenas um nome inventado que damos a um impulso de reprodução da espécie. Conforme cita Schopenhauer “(O amante) imagina que se esforça e se sacrifica por seu próprio prazer, mas tudo que faz, na verdade, é guiado pela reprodução da espécie”. Em sua obra máxima, “O Mundo com Vontade e Representação”, Shopenhauer explica porque o amor é um tema eterno: “O amor” é o objetivo último de quase toda a preocupação humana; é por isso que ele influencia nos assuntos mais relevantes, interrompe as tarefas mais sérias e por vezes desorienta as cabeças mais geniais. Ele não hesita em interferir nas negociações dos homens de Estado e nas investigações dos sábios. Ele sabe como insinuar seus bilhetes de amor e seus anéis de cabelo nas pastas ministeriais e nos manuscritos filosóficos”. Jean–Paul Sartre, filósofo mais recente, dizia que o amor é um “ideal irrealizável”. Isso porque queremos algo impossível das pessoas que amamos: somos atraídos pela liberdade e independência que detectamos nelas. No entanto, ficamos tão apavorados que tentamos privá-las desses atributos quando estabelecemos uma relação amorosa. “O amante quer ser amado pela liberdade, mas exige que essa liberdade, como liberdade, não seja mais livre”. Muitos outros filósofos tentaram traduzir em palavras o sentimento amoroso, mas parece ter sido os poetas aqueles que melhor conseguiram expressá-lo, conforme os versos de Quintana: “O amor é quando a gente mora um no outro.”

Marcos Kayser

Uma conversa sobre Desus

A natureza humana é um tanto quanto paradoxal. Somos natureza e não somos. O ser humano é natureza enquanto apresenta disposições naturais, como o desejo e o medo, embora os conteúdos do desejo e do medo não sejam os mesmos entre um e outro indivíduo, e, ao mesmo tempo, o ser humano se rompe da natureza, na medida que se distancia dela pela sua dimensão criadora. Conforme Castor Ruiz: “O nascimento da pessoa se realiza a partir de uma ruptura com o mundo natural. Essa ruptura cria inevitavelmente uma fratura entre ela e o mundo. O ser humano foi expulso do paraíso natural. É desse modo que ele se distanciou do mundo ao qual anteriormente seu ser estava integrado de modo pleno. Essa distância relacional do mundo propiciou uma separação relativa entre a pessoa e a realidade que nunca mais poderá ser suturada de modo absoluto. Com esse distanciamento se consolidou uma ruptura entre o sujeito e o objeto. De agora em diante, o mundo sempre será vivenciado como algo contraditório: estando próximo, sempre aparece distante; embora somos um fragmento dele, o percebemos como o outro.” Entre outras coisas, Castor nos faz pensar sobre a possibilidade de uma solidão do homem, de um desamparado em que se encontra no universo infinito, que por ser infinito passa a ser também incerto, sem verdades absolutamente válidas. Em outras palavras, estamos falando que o animal é muito mais filho de sua mãe, a natureza, do que o ser humano que não é mais tão natural mas sim cultural. Poderíamos pensar que a religião preenche em certa medida a solidão do homem e funciona como uma espécie de consolo, quando Deus é colocado como a razão de todas as coisas. Não estamos sós se estamos com Deus. Todavia, admitir Deus não significa saber explicá-lo racionalmente ou prová-lo, pois cairemos certamente em contradição. Deus não deve ser resumido a uma mera explicação lógica como muitos tentam fazê-lo, uns ingenuamente outros presunçosamente. Exemplo: Afirmar que Deus existe porque a prova está aí e é a existência do universo, pode não ser uma afirmação 100% segura. E se o universo for infinito para frente e para trás? Poderá ter sempre existido e o que sempre existiu nunca foi criado, portanto, nestas condições não necessitaria de um criador. Segundo a ciência, que também não é detentora da verdade absoluta, antes do big-bang pode ter existido infinitos big-bang, com sucessivos big-cruch. Outra afirmação não tão garantida é afirmar que a Bíblia prova a existência de Deus. Como a Bíblia foi escrita por homens e não por Deus qual garantia de plena certeza. Como diz Kierkegaard: “Ser Cristão é sê-lo no espírito, é a inquietude mais elevada do espírito (…)”. Ou seja, a verdadeira fé é cheia de inquietações e de dúvidas o que também parece ser paradoxal. Não precisamos justificar Deus pela razão pois Deus é uma questão de fé, é pura intuição. Deus não se prova se sente. Tomemos cuidados com certos discursos ditos religiosos que promovem resignação, conformismo, alienação e até comércio. Transferem tudo que acontece com os homens, para a responsabilidade de Deus, como se fôssemos marionetes de um Deus manipulador. Como poderia um Deus que é Pai de todos querer o bem de uns e o sofrimento de outros? Numa relação de amor não há meio termo, ou amo ou não amo, não tem como amar mais ou amar menos. Independentemente da religião e da crença, temos uma vida de prazeres e muitas dores, cuja superação ou suportamento muito mais depende de nós do que da vontade Deus.

Marcos Kayser

AMIZADE

Cícero, filósofo da Idade Média, já dizia: Existe alguma coisa melhor do que ter alguém com quem te atrevas a falar como contigo mesmo? Antes dele, Aristóteles: Que é um amigo? É uma única alma que vive em dois corpos. O amigo é um outro eu. E Demétrio: Um irmão pode não ser um amigo, mas um amigo será sempre um irmão. E, ainda, Plutarco: Não preciso de amigos que mudem quando eu mudo e concordem quando eu concordo. A minha sombra faz isso muito melhor. Embora o tema da amizade não esteja mais tão em voga, grande parte dos filósofos fez referências a ela em seus escritos. Na obra “Ética a Nicômaco”, Aristóteles define a amizade como sendo essencial a uma boa vida e distingue três tipos: A amizade baseada na utilidade, a amizade baseada no prazer e, aquela considerada a mais perfeita, na virtude, que seria a amizade entre os sábios, que vão até as últimas causas e conseqüências do ser. Para os estóicos, apenas o terceiro tipo pode ser chamado de amizade (“philía”). As demais só duram enquanto durar o interesse ou o prazer. Segundo Aristóteles, “quando homens são amigos, a justiça não é necessária”. Um sábio prefere ele próprio sofrer injustiça a ver seu amigo recebê-la. Se indagados sobre o que é a amizade, somos impelidos a definir o que é um amigo. Aquele que na “hora do aperto”, metáfora usada para descrever momentos de dificuldades, tristezas e até sofrimento, age antes mesmo que seja solicitado. Age com espontaneidade, distanciando-se do auto-interesse natural do humano, sem pretensões de recompensas. O amigo não se dispõe, ele se doa. A disponibilidade é passiva, enquanto a doação é ativa. O amigo não se mede pelo critério da quantidade, mas sim da intensidade. Normalmente, são muito raros, as vezes únicos, no sentido que temos um só, o que não é demérito. Necessariamente, ter poucos, não sintetiza nossa má performance na arte de fazer amigos. Amizade não é produto que sai de uma linha de produção, com quantidade e tempo de finalização, previamente determinados. Amizade é uma construção que se dá ao longo do tempo, de mão dupla, na qual eu sou amigo do amigo e o amigo é amigo meu. Não pensamos no amigo apenas na hora do que não temos nada a fazer, na hora que sobrou tempo, nem somente na hora da dificuldade, do desprazer e da dor. O amigo é pensado constantemente, também na hora do tempo que não temos tempo, nos momentos de alegria e de prazer. Apesar de muitas vezes não dedicarmos à atenção merecida pelo amigo, muito em função da mecanização vivida na sociedade da escassez do tempo, o amigo ainda é o grande afeto que temos para repartir os prazeres e as dores que a existência nos reserva. Talvez, a contenção de parte de nosso individualismo excessivo colabore para preservarmos as verdadeiras amizades. Amizade não é só distração, é contemplação na relação marcada pela identificação.

Por Marcos Kayser (amigo do pensamento)

(Comentário realizado na rádio Taquara – 18/04/2005)

Animalidade

Segundo estudos da Universidade de Emory, em Atlanta, os chimpanzés têm senso de justiça. E respondem negativamente a recompensas desiguais. Os chimpanzés até toleram ser prejudicados em negociações com amigos e parentes, mas não permitem fazer esse tipo de acordo com estranhos. Ou seja, dependendo com quem estão lidando, apresentam reações distintas. Em 2003, pesquisadores já tinham demonstrado que os macacos-prego também têm senso de justiça. Mas esses animais não apresentaram a mesma variedade de respostas dadas pelos chimpanzés. De acordo com a pesquisadora Sarah Brosnan, a evolução entre chimpanzés e humanos tem de cinco a sete milhões de anos de diferença. Já os macacos-prego são separados dos humanos em pelo menos 40 milhões de anos. Quando a comida está em jogo, é interessante observar as reações dos chimpanzés. Se eles recebem uma quantidade inferior de alimentos, mesmo tendo feito o mesmo trabalho que o outro, somente se rebelam se não forem íntimos do rival. Caso estejam competindo com amigos ou familiares, a tendência é ignorar a injustiça. E assim a ciência vai revelando as semelhanças entre animais e humanos. Outro estudo, feito pelo setor de antropologia da Universidade de Harvard, com chimpanzés e lobos, revela que os animais também lutam como o homem. Essas espécies têm a tendência de se organizar em grupos de machos, em geral das mesmas famílias, para defender seu território e matar os inimigos. Além de defenderem território, grupos vizinhos de chimpanzés patrulham fronteiras e até invadem o terreno alheio à procura de comida. E, se um deles cair nas garras de adversários, será morto ou gravemente ferido. A teoria da evolução, apresentada por Charles Darwin, explica as vantagens desse impulso combativo: o grupo que mata com mais eficiência em breve ficará com um número maior de guerreiros e o inimigo, com sua linha de defesa reduzida, ficará debilitado para reagir a futuros ataques. O grupo vencedor aumenta de tamanho e se torna cada vez mais forte, podendo controlar as terras e os recursos. Em situações onde existe uma competição por recursos, é vantajoso matar o maior número possível de inimigos.  Esses ataques são muita semelhança ao que ocorria com a Roma do Medievo e ao que ocorre com os EUA dos nossos dias, o que não significa dizer que o ser humano é por natureza belicoso e violento. Temos uma pré-disposição para a competição, ou seja, luta pela sobrevivência como meio de preservação da espécie, que poderá se tornar mais ou menos violenta a partir das relações de alteridade. Agora, na medida que essa luta transcende o sentido da sobrevivência, ela assume a condição de barbárie. O que nós fazemos, nenhum animal seria capaz de fazer, tamanha intenção bárbara. As crianças iraquianas que o digam, como também a cachorrinha de Pelotas, esfacelada brutalmente, junto de seus filhotes, quando arrastada premeditadamente por um carro. Em tempos antigos, lutávamos por liberdade. E agora, lutamos pelo o quê?  Dá para explicar nossa incapacidade de agir como humanos civilizados? A diferença entre homens e animais é de fato tão acentuada assim como um dia imaginávamos? Mesmo que nosso orgulho não permita qualquer parentesco com os animais, a evolução da ciência parece apontar para uma proximidade quase de irmandade. E em conseqüência de nossa animalidade a civilização continua adiada.

Mulheres: sem elas nem seríamos

Amanhã, dia 8 de março, é o dia Internacional da Mulher. Dia que, talvez, não fosse necessário existir, caso não houvesse ainda um grande preconceito com relação as mulheres. Este dia tem uma motivação política para que se reflita sobre a situação da mulher na sociedade contemporânea. Situação que já melhorou se comparada aos primórdios da história da humanidade. Nos tempos antigos, mais precisamente na Grécia do século V a.c., a mulher era equiparada aos escravos, aos estrangeiros e as crianças, cujos direitos simplesmente inexistiam. Para os gregos da época essa era uma configuração normal, ou seja, era algo que compreendia as determinações da natureza humana. Era assim porque a natureza tinha determinado ser desta forma. Na Idade Média, da não existência a mulher passou a começar a ser vista como um ser existente, mais ainda depreciativamente. Era, muitas vezes, considerada um perigo para os homens. Espécie de feiticeira ou bruxa. Na modernidade, no decorrer do tempo, a mulher foi passando a conquistar direitos até nossa atualidade onde vota, a trabalha e governa. Encontraremos em vários setores da sociedade a presença da mulher, conquistando as oportunidades que antes eram de exclusividade dos homens e que são direitos de todo o ser humano, independentemente do sexo. Contudo, ainda existem muitos preconceitos, muitas mulheres ainda são violentadas por seus maridos, ainda são recusadas em determinadas atividades profissionais. Cabe as mulheres continuarem na direção da conquista e cabe aos homens reconhecerem que é justo e muito bom terem igualdade de direitos com as mulheres, por que, afinal, o que seria de nós sem elas? Na verdade, sem elas nem seríamos. Nem existiríamos. É do ventre apaixonado da mulher que somos projetados para a vida. E a mulher amada, a mulher namorada? O que seria de nós sem elas? São, com certeza, grandes motivos da nossa existência. Obrigado mulheres por existirem e esperamos que em breve não se precise mais existir do dia internacional da mulher, pois não teremos mais preconceitos contra a mulher e todo o dia será o dia delas.

UM POUCO SOBRE ÉTICA

Falamos de ética no direito, na medicina, nas empresas, na política, enfim em todos os campos de atuação do ser humano. Usamos quase que diariamente a palavra ética para designar a conduta de certas pessoas que nos parecem responsáveis, conseqüentes e honestas. As condutas que julgamos incorretas classificamos de anti-éticas. Infelizmente se usa muito mais a designação anti-ético do que ético. A política é um exemplo disso. Costumamos nos referir aos políticos brasileiros como sendo muito mais anti-éticos do que éticos.

Mas o que nos leva a julgar e classificar uma ação como certa ou errada? São os critérios, e a ética é a disciplina da Filosofia que reflete sobre estes critérios, procurando elucidar se uma atitude, ou postura, é boa ou má, correta ou incorreta, justa ou injusta, coerente ou incoerente. Porque não posso justificar minha avaliação apenas pelo fato de que a lei assim determina (a lei também dá margens a interpretações, ela não é absoluta); também não posso justificar pelo fato de que foi meu pai, minha mãe, meu professor, ou alguém de indiscutível credibilidade que me ensinou e disse que era assim e pronto. Se aprendemos algo é necessário uma justificativa para que este algo seja coerente e tenha consistência, não basta que tenha sido dito por uma autoridade. É necessário fundamentação reflexiva. Também uma determinada justificativa pode sofrer mudanças ao longo do tempo. O que era uma verdade no passado, hoje pode não ser mais. Por conseqüência, podemos e devemos mudar de postura caso os critérios de julgamento variem, porque os contextos variam. O que não significa dizer que sejamos “Maria vai com as outras” ou que não temos posição. Como já dizia o filósofo grego Heráclito “uma pessoa não se pode banhar duas vezes no mesmo rio”, dando a entender que a pessoa muda e o rio que corre também muda, pois as partículas de água não são as mesmas já que estão em constante movimento.

Na história do pensamento humano, encontramos três vertentes principais que procuram fundamentar os critérios para julgamento de uma ação. Há os que pensam que uma ação é correta quando praticada por um agente virtuoso; há os que pensam que ser ético é cumprir com uma máxima universalizável, ou seja, um dever que se aplica a todos e há aqueles que entendem que medimos a validade de um ato pelo que traz de felicidade a mim e ao outro. Porém, todas estas tendências apresentam algum tipo de problema, pois todas requerem algo comum entre todos os agentes. Na prática, verificamos que o virtuoso também erra, que a felicidade para mim necessariamente não é a felicidade do outro, assim como o dever de um muitas vezes não é o dever de outro.

O problema central da ética é a dificuldade que temos de conciliar entendimentos e desejos. Fica aqui uma indagação sobre até que ponto conseguimos nos colocar na posição do outro para avaliarmos se uma ação é correta, é válida, é justa, é honesta. Talvez, se assim conseguirmos fazer, estaremos nos aproximando de uma fazer ética.

Por Marcos Kayser

"Pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal." Oscar Wilde