Os grandes avanços da ciência têm gerado questões que colocam a sociedade frente a novos desafios éticos que exigem reflexão e discussão. O aborto, a eutanásia, o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas são algumas destas questões. Estamos no terreno da ética aplicada (bioética) e aqui vamos nos ater um pouco sobre o uso dos embriões. Estamos longe de chegar a uma posição definitiva, mas cabe começarmos a fazer certas distinções, pois são questões que envolvem a todos. A primeira distinção é entre religião e filosofia. Pela primeira seguimos o que é determinado pela instituição, na qual se acredita e segue, não cabendo duvidar nem discutir, pois vale o que foi dito e tudo é pela fé. Pela filosofia seguimos o percurso da razão, da experiência, do conhecimento da ciência, da busca pela elucidação de conceitos, na tentativa de se chegar a um entendimento que possa ser admitido sem preconceitos, nem dogmatismos. Indo diretamente (e introdutoriamente) à questão, logo vem uma pergunta ética: é certo fazer uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, mesmo que vislumbrem melhorar as condições de vida? Por traz desta pergunta temos o seguinte dilema: o que vale mais preservar um embrião ou uma pessoa? E as perguntas não encerram: um embrião não é também pessoa? E se for, ao usarmos um embrião em pesquisas não estaremos matando uma pessoa? Para objetivar a reflexão, sem causar danos substanciais, deixemos de lado o conceito de vida e passemos a pensar o conceito de pessoa. O conceito de vida é ainda mais problemático, pois teríamos que abordar a vida em plantas, animais e outras espécies. O conceito de pessoa nos facilita a investigação, todos (achamos que) conhecemos, pois todos somos pessoas, na medida em que interpretamos, reagimos, choramos, rimos, produzimos, criamos (e não só imitamos), temos consciência de nós mesmos. Tudo isso porque temos um corpo com cérebro, cuja parte associada à consciência (córtex cerebral) se forma a partir da décima oitava semana de gestação. Sem o que, não temos consciência, nem auto-consciência, só temos, sensciência, como se refere à sensação de prazer e dor. O conceito de sensciente ainda merece muita discussão, pois é difícil precisar o que sente e se realmente sente. Contudo, supõem-se vários níveis de sensciência. Não há sensciência em um organismo que não se altera quando recebe estímulos externos ao seu corpo (agrupamento de células embrionárias). O primeiro nível acima disso poderia ser considerado como sendo aquele onde o organismo esboça alguma reação correlacionada aos estímulos que recebe, sendo a bactéria pertencente a este nível. Um segundo nível seria aquele onde a reação ao estímulo apresenta sinais de condicionamento e os camundongos e pinguins estariam nesse nível. Um terceiro nível é aquele onde o organismo monta os chamados “modelos mentais” dos objetos e de outros seres, esboçando suas reações de acordo com esses modelos. Cachorros e gatos estariam nesse nível. Um quarto nível é aquele onde o organismo é capaz de montar modelos mentais da mente dos outros organismos, o que os leva à possibilidade de complexas formas de interação relacional. As pessoas estariam nesse nível. Os embriões não poderiam ser considerados nem mesmo indivíduos antes dos primeiros dias da fertilização, pois neste período podem se separar em dois ou mais embriões. Assim, se houver a divisão embrionária aquele que era o embrião (indivíduo) “x” não será mais “x”, poderá ser “y” ou “z”. Ainda se pensarmos que um embrião é uma pessoa em potência, teríamos que pensar que os espermatozóides também o são e estaríamos diante de um enorme problema, tamanha a quantidade de espermatozóides que morrem com a nossa co-participação. Por esta regra da herança, praticamente toda a natureza estaria comprometida, inclusive as plantas e os outros animais. Reconhecendo a distinção entre pessoa e embrião pelo grau de complexidade, poderíamos começar a pensar na possibilidade de haver critérios hierárquicos (no lugar de critérios hierárquicos poderíamos usar categorias, lembrando Aristóteles), que poderiam privilegiar um ente em detrimento do outro, o que certamente para os moralistas conservadores não soaria muito bem, o que nos levaria ao entendimento de que a pessoa teria uma prioridade em relação ao embrião. Se assim fosse, poderíamos considerar válidas as pesquisas científicas com embriões, desde que o propósito das mesmas trouxesse de fato benefícios às pessoas.